segunda-feira

Projeto de residência artística na Cité des Arts, “Jardim a Céu Aberto”, apresentado em outubro de 2006
(versão reduzida para o blog. originalmente busquei traçar o panorama mais completo do meu trabalho entre 1998 e 2006 para justificar a intenção)


A paisagem e o universo da costura sempre estiveram presentes no meu processo criativo.
Quando, ainda na faculdade, me propus a desenhar paisagem, o que me vinha à mente era algo muito direto: desenhos de prédios, de casas, de árvores, o cinza de São Paulo. E isso não constituía algo que me fosse significativo ou simplesmente contemplativo. A não ser pelo fato de em alguns momentos encontrar pela cidade paisagens que não se vê a todo momento, como a imagem que se forma depois da chuva em uma poça d’água, ou alguns instantes de sombra e de reflexo (belezas que não podem ser tocadas e geralmente passam despercebidas), a não ser por isso, o restante era todo cinza.
Questionei qual seria de fato a paisagem que me tocasse e o universo dos tecidos começou a se fazer perceber e ganhar um novo sentido. Passei a olhar com mais atenção o atelier de costura da minha mãe, tanto pelas roupas prontas penduradas nos cabides como pelos tecidos. O que vi me motivou a desenhar, a fotografar e a montar os tecidos com costura: o que vi foram cores fortes e vibrantes, formando montanhas, com flores e borboletas saindo por todos os lados, todos os cantos.
Um recorte tão pequeno da cidade poderia ser o ‘pano de fundo’ para minha paisagem: a minha própria casa, que é ao mesmo tempo todas as casas onde morei, e que sempre foram feitas de pano. Não existem bonecas de pano? Pois existem também casas de pano e paisagens de pano. E memória também.
Ao desenhar as roupas e os montes, percebi as entrâncias, os jogos de luz e sombra que fazem quando estão amontoados. Ao costurá-los, passei a criar composições sobre um plano, fazendo da pintura a referência artística mais próxima. Partindo de padrões existentes – a própria estampa dos tecidos – formava uma realidade reconfigurada, em planos bidimensionais que deviam ser colocados à parede. Eram “colagens” de diversos recortes de tecido, com sobreposições de camada que geravam um senso de profundidade. Até mesmo a velatura era possível criar, com o uso de tecidos semi-transparentes. De qualquer forma, nunca houve a tinta, o gesto sempre foi cortar, alinhavar, costurar. Escolher os tecidos, compor.

Metamorfose do tecido – sua funcionalidade já não era mais a de ser roupa, vestir alguém. Eu é que vestiria o tecido de paisagem.


“As obras de arte não deveriam apenas ocupar outros espaços,
além daqueles determinados pelas instituições,
mas afastando-se do que se convencionou chamar ‘obra de arte’,
lançar-se na vastidão do mundo, ressignificando o ambiente da vida cotidiana”
Cristina Freire



No processo de pesquisa para desenvolvimento do projeto “Jardim a Céu Aberto”, essa frase de Cristina Freire se apresentou com extrema força. Ressignificar o ambiente da vida cotidiana, nos fazer olhar novamente aquele lugar por onde passamos sempre. Uma revitalização do campo de lazer, os jardins públicos e toda e qualquer área verde que possa ter uma intervenção artística.

Paris, além de ser chamada de Cidade-Luz, é considerada uma cidade-verde. Com cerca de 400 parques, jardins e squares, é o lugar com maior preocupação em manter espaços naturais. Todo e qualquer espaço pode ser aproveitado para esse fim. Segundo o atual prefeito de Paris, Bertrand Delanoe, “recuperar o espaço para que uma cidade possa ‘respirar’ faz parte dos desafios da civilização urbana atual” .

Os jardins são ornamentos para Paris. Além de criações paisagísticas contemporâneas, existem os jardins célebres, abertos a visitação pública com até mesmo visita guiada.

Construir um jardim por si só já é uma arte. Parece algo tão natural, mas se analisarmos, um jardim se constitui de algo construído a partir de um pensamento racional do homem, ainda que a espontaneidade da natureza se faça presente.
Nesse sentido, a construção dos meus ‘jardins’ também parte de um propósito racional – dimensão, onde e quando, horizontal ou vertical. O espontâneo se dá com a participação ou não do outro. Novamente, o trabalho existe mesmo se ninguém interagir. Juntando esses elementos , não há como repetir um jardim. Mesmo que as diferenças possam ser sutis, não há repetição.
A proposta de residência artística na Cité des Arts visa aliar a minha concepção de jardim com arte aos jardins parisienses e a prática do plen air, prendendo minha idéia de paisagem à paisagem real, através da construção de jardins suspensos, jardins não suspensos, jardins efêmeros.

A paisagem que muda a cada instante.
A breve passagem do tempo.
A constante mutabilidade da natureza.

Meu projeto se constitui de:

* Recolher impressões dos jardins de Monet e dos principais em Paris, como o das Tuilleries, du Luxembourg, des Plantes, du Palais Royal, André-Citroen, parc Floral, de la Villette, des Champs-Elysées, des Serres d’Auteuil. Os de Versailles também serão visitados.
*Percorrer os vinte arrondissements em busca de áreas com ou sem verde, para interagir com instalações que durem horas, um dia, uma semana.
*Ir ao longo dos seis meses de estadia construindo um jardim de tecido em alguma das áreas.
*Interagir em árvores, em construções arquitetônicas e na água.
*Interagir especificamente nas árvores ao longo do Sena, quando estiverem secas.

Meus suportes passam a ser os elementos da paisagem. As árvores, os jardins, as construções, a água.
Fazer arte ao ar livre, desenhando no espaço e criando um campo que é a minha apropriação do mundo.
A paisagem presa à paisagem mas livre para deixar de sê-lo a qualquer momento.

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