terça-feira

fevereiro de 2008, já no brasil

15.02.08

Nesse momento me pergunto até onde as flores irão comigo?
Até quando elas estarão comigo? Por hora são o que tenho, o forro do meu corpo, o preenchimento das idéias internas.
As flores são o que sou. Vi a pasta “flores naturais” ontem. Os parques voltam à mente, os passos, as poeiras.

11.02.08

Medo do mesmo, de ir repetindo ininterruptamente os vícios que não fazem feliz, que me paralisam.
Desde as anotações finais em 28.01, os sentimentos ficaram a espera de um entendimento maior que pudesse ser traduzido em palavras simples. Não entendo ainda essa passagem. Não olho ainda o que foi feito, apenas para não concluir que o processo acabou. Ficaram as lembranças, sem dúvida, mas resgatá-las dói, toca no buraco que se formou internamente. A falta de uma cidade dentro de mim. A falta de mim estando lá. Tendo dado alguns passos mas sem formar um caminho. Ou sem perceber novas pegadas.
Comecei a desmontar o apartamento duas semanas antes. Fui desconstruindo aos poucos, para não ser brusca a interrupção do processo. Interrupção ou finalização? Não sei. O momento era inevitável, mas na prática pareceu que algo que conquistei e que me conquistou estava sendo tirado de mim. Fico feliz por todos os que até hoje foram para a Cité, mas não concebi bem a idéia de ter alguém após. Possessão.
Enfim, lá está o 1422 com um novo morador.
Será que aproveitei o que pude?
Será que fiz o que devia ter feito?
E hoje, tenho feito o meu melhor?
Cobranças. Saudades. Falta mesmo.
Existe um momento novo para construir e ele deverá ser de uma matéria existente, real, física. Meus pensamentos eu não embalo – assim, deverão ser segundo plano. Nem quero nada de volta. Quero o novo. Sei que dou conta disso, mas quero também algo que me valha a pena, além das pequenezas da vida diária.
Nos últimos dias cada momento de dormir e acordar era um encurtamento do sonho. Olhava a cortina com frestas de luz, o desenho que formava em casa, nas paredes e objetos, e sabia que estava chegando ao fim. Queria que rendesse ao máximo.
Caber tudo em duas malas, bolsas de mão. Nem sei como deu, já que vivi tanto.
O vidro que se quebrou. Aquele que continha as flores em formato circular. O vidro que se quebrou em formato pêra. Também foi só isso.
A partir do que eu construir agora vou entender melhor esses seis meses fora vivendo essa minha arte.
Desde que voltei o que mais foi é estranhar. As pessoas, as falas, as ruas, a distância do que amo. Supermercado, boulangerie, metrô. Guardo as sacolinhas plásticas, com apego. Não sei o que pode doer mais.
Falar o que foi aos que encontro não faz sentido.
Tentar ainda preencher essas folhas como eu fazia lá também não.
O silêncio às vezes me toma de assalto, ainda que palavras continuem a sair pela boca.
Quero calar e ir. Para o meu novo lugar, ainda que apenas exista em pensamento.
Já já me recomponho. E volto a compor flores em jardins.
“Por hora meu desassossego é violento. Eu marquei na chuva um nome que nunca mais li. Ele foi para mim o motivo das sombras em horas de sol intenso. Um refúgio para bocas abertas de tanto correr. O respiro e o suor corrido eram os traços deixados nos corpos feitos de ar. E embora eu não soubesse como me atravessar, subi para longe das minhas alturas, deixando os calcanhares livres sobre as pontes invisíveis. Repensando, assim me fiz do começo ao fim.”
Na Europa se é para além de simples hábitos. Se é para si mesmo. Defina-se como quiser. Seja-se.

janeiro de 2008, último mês de residência

28.01.08

“A história permanece na cidade.” Foi assim que o pai da Bel Lavratti falou se referindo a uma cidade berço de tantas estórias da nossa sociedade atual. Um fato que dá pra sentir. Todas as minhas estórias foram de Amor, a matéria básica de tudo que nos cerca.

25.01.08 Sexta-feira


“Life is more important than Art”. Email enviado pelo e-Flux com esse assunto de cabeçalho. Me fez pensar no todo desse conjunto bem vivido em Paris. Bem vivido sob meu ponto de vista. Deixei as flores de seis meses para trás – não todas, mas quase. Elas foram parte da instalação em Aubervilliers, na Villa Mais d’Ici, no dia 19. Foram oito horas de trabalho, entre arrumação do espaço, incluindo limpeza grossa, e a inserção das fitas nas árvores. Busquei compor como se fosse de fato um desenho com cor no espaço – assim em uma árvore ficaram as fitas amarela, azul turquesa e royal; em outra, branco, pink e lilás. Me satisfez intensamente. À noite, durante a festa, doei as flores presas por fios às pessoas, e dessa parte não tenho muito registro. Estava um tanto escuro. Mas todos participaram, fosse colocando nas árvores do jardim ou em si mesmos.
As idéias, é claro continuam brotando, elas não são restritas à residência. E isso sem dúvida é o que me faz considerar normal o retorno ao Brasil. Seis meses, da forma como vivi, é o momento em que me sinto mais solta para estar na cidade, pensando melhor o idioma e as pessoas. Dia desses pensei que talvez eu não tenha feito muita diferença para Paris, mas sem dúvida ela fez toda a diferença para mim. O eterno encontrar novas ruas, novos caminhos, palavras e expressões. Ouvido aberto, para os sons da cidade. Quantas fui e quantas me costurei.
O ganho que se tem a cada dia. Como hoje em que vi algumas Íris no jardim da cidade – talvez uma primavera antecipada, que faz com que as pessoas sorriam novamente. Uma cerejeira já em flor. Um perfume de cerejeira me tentando. Durante algum tempo, o inicial, talvez eu caminhe com a presença desse universo por São Paulo. Em parte pelas lembranças em si, em parte pelo desenvolver do meu trabalho, a execução em sai das foto-costuragens, o projeto escrito, a organização das fotos. Será preciso muita força de vontade para seguir em frente com as conquistas atuais. Mas é possível, e isso me fortalece.
A presença do lúdico, do humor, do sensível.
As cores e o pb. O reenquadramento. O passar a limpo. A Ju me falou da estranheza de ver as minhas flores após o término da festa. Eu as deixei lá por precisar seguir adiante, tanto eu quanto elas. O fato é que foram elas as estrelas dos seis meses, foram elas meu assunto, meu foco, parte dos objetivos. Elas passaram a ser eu para quem participou do processo. E por mais que eu saiba que há mais delas em SP, aquelas são únicas. Sei que algumas pessoas manterão consigo por quererem manter a mim.


16.01.08

Fui a Roma e ao Vaticano. Quatro dias de um universo que é a base da nossa civilização hoje, sede do Império Romano que perspassa o catolicismo e as leis que ainda hoje se aplicam. Mas independente disso é historia à flor da pele, com os resquícios do que existiu um dia. Ruínas. Porém ruínas que presenciaram muitas pessoas. Tudo tem uma dimensão gigantesca, mas não me senti oprimida. O coliseu é emocionante, arrepia pensar no que ele era – palco de um teatro de sangue, do cruel. Ao mesmo tempo ele não me parece fazer apologia dos sacrifícios, para que nunca se esqueça dos cristãos jogados aos leões,mas muito mais sua arquitetura em si e sua permanência.
No Vaticano, emoção desde o primeiro instante, na praça diante da Basílica – imensa! E então, todos os próximos momentos seriam emocionantes, a cripta dos papas, com a de João Paulo II, a Pietá de Michelangelo, o teto da basílica assim como o chão, as paredes... um imenso dossel indicando a área da cripta de São Pedro – é, ele mesmo estava lá. Uma imagem dele sentado ao alcance de nossas mãos, cujos pés já quase inexistiam – o fato de milhares de peregrinos os tocar vêm os apagando. O Museu é algo impressionante de tão gigante. A Capela Sistina não tem palavras que a descreva, muito menos a Biblioteca de lá. Só vendo, junto com as centenas de outros detalhes. Havia na parte contemporânea um imenso desenho de Matisse, que me pegou forte. Enfim, posso ter fotografado quase tudo o que vi, posso descrever em palavras e adjetivos diversos, mas Roma é uma cidade para se ver e lembrar.
Vim, vi e venci.
Talvez eu esteja disposta a viver cada dia como o dia em si. Assim sigo uma aparente normalidade, embora me preparando aos poucos para o retorno. Tirando fotos das paredes, revendo papéis, fazendo acertos.


08.01.08

Ontem dois pontos distantes em minha imaginação foram ligados por uma linha reta que começou em um jardim suspenso e terminou em outro. Do Faubourg Saint Antoine a Daumesnil através de uma passarela elevada, como um minhocão, porém de uma beleza sem igual. Havia ido aos dois pontos de forma independente, de metrô, sem percebê-los conectados. Foi bom voltar entendendo agora a geografia dos lugares. O espaço que eles ocupam em mim. Hoje é dia -20. O que falta para voltar.


06.01.08

Aprender a viver cercada de pessoas novas e novas situações é o que te aproxima do teu infantil, o olhar de uma criança diante de um mundo a ser descoberto. Quando o simples volta a ser simples por ser mágico. Sem complicações.
Povoar o mundo de coisas belas. Semear arte, semente que dá frutos-flores. O semeador saiu a semear...
Talvez só agora eu tenha me dado conta de como é fácil fazer essas instalações. Um material que qualquer um pode manusear de forma semelhante – as fitas que envolvem, os fios que pendulam, as flores que recortadas podem ser colocadas de X maneiras. Uma idéia fácil de se propagar, essa de jardins portáteis ou jardins faça você mesmo onde quiser fazer.



dezembro de 2007, quinto mês

28.12.07

Ando pelas ruas sem me saber bem. Talvez momento de transição. Me dei conta de quão de passagem estou aqui. Seis meses é um tempo e tanto. Mas é pouco também. E sendo assim delimitado sei que essa não é minha casa, essas não são minhas coisas, minha decoração, a extensão de mim.
No MAM vi uma série chamada 100 anos, um conjunto de 100 pessoas, 100 fotos indo de 8 meses de vida a 100 anos. Muito interessante, adorei a proposta. No Rodin vi os clássicos “Pensador”, “O Beijo”, “A porta do inferno”. Este último é demais ao vivo, pela tridimensionalidade e junção. Coisas que só vendo. E vi.


23.12.07

Buracos. Parecem existir vários quando olho pra trás, para o tempo dessa residência. Talvez ser dona do próprio reino gere isso. Decidir sempre tudo por conta. Parte de uma cobrança exagerada de mim e sobre os outros. Rigidez. Ainda assim, é o que é, é o que foi. O não fazer mais as instalações devido ao frio me inquieta, é como se só ver exposições e todo o mais não bastasse. Não me disponho a olhar muito para o que já foi feito, e que está no computador. Não me organizo com essas partes de mim.

21.12.07

Quarta fui a Aubervilliers. Em um apê da Avenue de la Republique, de um grande prédio (16 andares) foi montada uma encenação, misto de teatro e performance. Genial, pela iniciativa e por entrar num lugar particular. Só assim para conhecê-lo. Hoje fui a Paris 8, com uma imensa biblioteca.
Fico indo e vindo, experimentando e sentindo. Às vezes sinto que já devia ser 2008 mas não desejo apressar o tempo. Só não estou sabendo deixar os sentidos livres para receber todos os dias de agora. Estranho. Sinto um peso nos dias, pelo casaco, pelo vento frio que entra no corpo, pela pouca água tomada com calcário. Pelas cobertas com malha de frio, pelos banhos quentes, pelas horas na cama ou sentada ou andando. Por não conseguir me pôr na rua para interagir, por me cobrar isso e por achar que me desejo fotógrafa. Por saber que amigos estão vindo, um após o outro. Como as pessoas viajam! E me fazem pensar ser fácil...
É tão bom realizar sonhos mas quando colocados em uma lista parecem obrigação. Daí vou alterando o que de fato quero com o que faço enfim.
O que influencia naquilo que somos? Ter tido um celular teria alterado minha permanência aqui? O quê um passo pra direita ou esquerda faz pela nossa vida. O que não tem resposta. O inesperado. O invisível. A vida em si. O retorno.



18.12.07

Ontem fui a Antony, num centro de arte contemporânea chamado Beaudoin. Fotos, perfomance, artistas solícitos, pessoas dispostas a se doarem através de boas e válidas palavras. O lugar também parece bonito, a região em volta.
O frio tem congelado a água na rua, as poças desavisadas. Fico feliz mas o cansaço corporal está sempre presente. Voltando ao evento de ontem, ao conversar com o Sobu (que foi quem convidou à Gabi e a mim) ele falou de questões simples de forma de ver a natureza: ela está em tudo, no ar que respiramos, num grão de pólen. Assim, não importa se há ou não áreas verdes, a natureza se mantém presente, indissociável dos lugares. Poético.


16.12.07

Por mais que nas últimas semanas meus pensamentos tenham se voltado à idéia de aqui ficar, em Paris ou na Europa, hoje tive vontade de voltar. Não sei se é algo inevitável. Mas de qualquer forma quero saber a identidade que agora tenho, entre um antes e um depois. Ambos sejam talvez pouco sabidos. De toda maneira São Paulo é uma grande cidade, desejada pela maior parte do país – quantos para ali não migram? Ainda que no contexto de arte mundial seja um tanto quanto apagada, é também um lugar de oportunidades. Tem um grande aeroporto para me levar onde quer que eu queira. As praias também são próximas. Deslocamentos voluntários. Tive o privilégio de morar um tempo mais longo em Paris, talvez o tempo mais bem aproveitado até hoje. E também pude conhecer belos lugares, belas cidades, belos países. Conhecer lugares assim é o meu motivo maior. Não importa então onde eu esteja, se deslocar é sempre possível. Precisa dinheiro? Que seja. Mesmo que sinta nesse momento não possuir muita coisa, nem carro ou casa, e sinta tudo em processo de alteração.


13.12.07

A idéia no dia 11 era continuar falando das exposições que visitei, mas fui assistir ao concerto da Cité e perdi o fio da meada. Voltando... Courbet e Carriés são excepcionais. Carriés foi uma surpresa total, nunca havia ouvido falar e ele desenvolveu uma técnica de molde com cera. Fico pensando se o fato de ter trabalhado com imagens religiosas não foi a influência maior para o uso desse material. Da mesma forma que me pus a usar vela ao ir às igrejas daqui. No mais, as peças são modeladas de uma forma tão real que parecia haver alguém dentro dos bustos. Algumas imagens são bizarras, grotescas. Uma porta monumental, inacabada, é incrível na intensidade das peças em carrés. E ele ainda fazia potes! Tô aqui falando de Courbet e Carriés e esses foram os que vi ontem, 12/12. Dia 11 teve Bourdelle, Henry Moore. Incríveis de ver ao vivo, a dimensão muda toda a visão da obra, algo que uma foto não demonstra.
Courbet foi dos primeiros a fazer diversos auto-retratos. Sempre sinto faltarem adjetivos para essas vivências. É impressionante o conjunto da obra, a quantidade de trabalhos executados, cada uma com sua maestria. As paisagens de Courbet são impressionantes, assim como os nus. Como é incrível alguém ousar ir além do seu tempo. Deve ser um mergulho tão grande dentro daquilo que se faz incessantemente, que perde a noção dos limites normalmente impostos pelo conceito de realidade, que invade o mundo das idéias. E provavelmente é esse ir além, esse não estar apenas por estar que produz o que consideramos uma obra de arte. É esse ir além que permite considerar um artista e fazê-lo eterno.
Cartier-Bresson. Helen Levitt. Robert Adams. Gustave Courbet. Carriés. Louvre. Kiefer. Giacometti. Em três dias foram todas essas vivências. Há algo que a partir disso os liga a mim. Algo que vejo como concernente a cada um deles e que considero como parte do meu olhar, minha forma de tê-los comigo a partir da constatação da importância das suas obras. Outra hora pretendo pôr em palavras. Por hora é só a certeza de que algo de tudo isso ficou. Talvez formas, composições, cores, formato, olhar, enquadramento, assunto. Os espaços dos museus também têm muito a dizer. Petit Palais, Grand Palais, Musée Bourdelle, salas do Louvre com tetos divinos.
Falando em divino fui ontem à missa na Notre Dame em homenagem a Guadalupe. Cantores a caráter no palco, missa em espanhol, muitos mexicanos. Emocionante. Ao terminar a missa, os músicos recomeçaram a cantar e tocar, agora na capela e não mais no altar. Começaram a apagar as luzes da catedral e fomos saindo. Do lado de fora a música e a animação continuram por quase uma hora, apesar do frio – cerca de 2 graus. Fotografei a primeira Leica de Cartier-Bresson e enviei ao Fernando. Ele respondeu falando da minha foto “Ascensão”, associando a um fotógrafo da Magnum, Werner Bishof. Vendo as fotos do portfólio no site da agência, senti um grande prazer em pensar que algumas daquelas fotos eu gostaria de ter feito, ou talvez tivesse buscado uma forma semelhante de representação se fosse eu no lugar. Com isso me dei conta de certa forma que SOU FOTÓGRAFA. Que embora eu tenha pensado não ter sido uma ao longo dos meses, foi o que mais fiz. Através de uma busca por instalações e artes, me encontrei fotógrafa. Como disse Gabi, todo o processo foi refinando meu olhar, para gerar formas e momentos em foto. Faz sentido. Robert Frank escreveu sobre o trabalho de Balthasar Burkhard, fotógrafo cujo trabalho intercalou seções do Courbet, e como qual foi associado pela presença da paisagem, o seguinte: “La verité n’existe que dans sa relation à l’art.” Em outro trecho, foi escrito que o fotógrafo não buscava a dimensão de suas impressões apenas para intimidar mas por ser a forma como ele entendia aquilo que ele via e que era seu objeto maior de atenção. Me vejo sempre admirada ao ver fotos de pequena dimensão, que atraem a aproximação do espectador. Proporções diversas, apresentação em conjunto. Maturação.
Dia 11, ao folhear um catálogo de arte pelas cidades, vi o trabalho de um artista chamado KNITTA, que envolve luminárias/postes e árvores por Paris. A principio o mesmo diálogo com o que faço. De certa forma fiquei decepcionada em ver alguém executando algo que eu considerava meu. Mas dá pra explorar o lado positivo. O fazer é diferente, talvez mesmo o objetivo.Tem um instalado bem aqui na estação Saint Paul. Vou pesquisar, buscar contato. Mas perdi um pouco o ensejo de fazer outras instalações, não só pelo frio. Pelo menos agora já não chove...
Gosto de observar os diversos formatos de obras. Ainda mais quando desenhos de projetos de grandes quadros. Se apresentam menos rígidas. Não importa de que época sejam, sinto-os contemporâneos a mim.
!Kiefer no Louvre! Que trabalhos lindos, como são perfeitos para os espaços que ocupam. Girassóis sem pétalas. Livros. Ouro e chumbo. Será que eu preciso dizer ou tentar dizer algo? Diz por si só.
O que nos faz transcorrer o olhar? O que desperta atenção, emoção. Que muda nosso curso, altera a percepção. O que sempre esteve diante mas só num momento nos faz perceber, dimensionar, de fato ver. O que é a visão senão algo ligado a um conhecimento prévio, ainda que subconsciente. Para entender o que se vê é preciso ter algum tipo de conhecimento, mas ainda assim isso só permite ver com interpretação pessoal. Dá para ver sem ser pessoal? Nem que seja por um instante?
GIACOMETTI. KIEFER. CARRIÉS. COURBET. ROBERT ADAMS. WERNER BISHOF. CARTIER-BRESSON.
Olho pelas janelas. Há algo do mundo, através desse recorte, que me atrai. Algo que me parece íntimo. Mesmo não olhando para dentro de uma casa, mas para o que há além, para fora. Um ângulo que só se tem daquele espaço, que não se tem a todo momento. O ângulo que se tem de uma janela do segundo andar do Louvre só estando nela.
Será que existe resposta para perguntas como: o que desperta o desejo por um fazer específico? Como reconhecemos nossa aptidão e nos dirigimos a ela, nos envolvemos e passamos a ser algo indissociável?
Há a possibilidade de fazer metros de tecido sob encomenda, a partir de uma estampa. Flores gigantes seria uma opção. A partir de fotos de flores minhas. Pensar uma instalação usando fios de cobre, folhas de vidro ou cerâmica.

11.12.07

Incrível como em cada dia penso e vivencio tantas coisas que o dia de ontem parece distante. Hoje me dispus a visitar três museus, próximos, em uma região ainda desconhecida: Montparnasse. Fundação Henri-Cartier Bresson, expo de Helen Levitt; lá estava a primeira Leica que o Bresson usou. É um prazer pessoal momentos assim. Musée Bourdelle, em homenagem ao artista Antoine Bourdelle, com imensas esculturas, em gesso e cobre, além da mostra de Henry Moore. Fundação Cartier pour l’Art Contemporaine. Mostra de um artista coreano e fotos de Robert Adams.


10.12.07

Esfacelamentos, quebras, repetições. O que importa de uma paisagem? O que importa de alguém? Compartimentar. Cada imagem tem como moldura o momento em volta. Os passos que se deu para chegar ali.
Toda foto é um recorte. Ao enquadrar recortamos. E colamos através da sensibilização fotográfica – filme ou pixels.
EXPERIÊNCIAS. EXPERIMENTAÇÕES. FLUIR. VAZÕES.
O corpo-paisagem. Retrato e paisagem como algo único. UNO.
Escurece rápido agora. Sinto mais frio no início da tarde que à noite. O Seine está alto, amarronzado, uma aparência totalmente diversa do que vi antes.
O que verei depois? Darei mais conta de mim?
Não considero ainda hora de fazer balanço ou contar os dias.
Quero aproveitar todos os dias, deixar-me ser.
AS FLORES. AS LUZES/AS VELAS. AS PRECES.
A cidade me envolve com suas possibilidades. Infinitas. Tanta coisa que me atordoa. Passei pela seção de livros da FNAC, em busca do lançamento da Sabine Weiss. Quis sair correndo, sem escolher nada. Tantos livros maravilhosos, tanta gente dando o melhor de si no processo de criação que me sinto um tanto insignificante. Questiono-me. Acredito na minha expressão. Acredito no meu melhor. É tão fácil se perder. Equilíbrio, vamos lá.
Fiz e pensei arte o tempo todo.
Só não segui projeto e de certa forma me cobro isso. Preciso dar-me por satisfeita pelo todo que desenvolvi.
O frio de certa forma me pegou de surpresa. Pra um trabalho ao ar livre, a mudança climática de uma hora para outra me deixou sem ação quando ainda era possível. O frio nem era tanto, era mais novo. Bom respeitar-se dentro de cada limite, mesmo sabendo que é possível em outro momento ir além. Mas o outro momento não é o agora. Agora lanço o desafio de aproveitar. Pois no meu íntimo acredito de fato que a experiência da arte é a experiência da vida. A frase não é minha, mas a crença é.
Cheiro de terebintina pelo corredor.
Cabelos brancos cada vez mais freqüentes.
Luvas, um lado só, perdidas pelas ruas. Pés de sapato também.
As sensações e as impressões ao acaso.
O cheiro das pessoas. As expressões.
Somos todos iguais.
Um dia me dei conta, assim como quem não quer nada, que o tempo passa, que você se transforma com o que há a sua volta, que é fácil e frutífero dizer sim, às pessoas e à vida. Suavemente fazemos escolhas. Somos parte de um universo que normalmente sabe de sua missão, mas que ainda assim se dispõe a algo novo quando vem a ordem de mudança. Viver acreditando que há algo ainda melhor no porvir é ainda mais gratificante quando se permite considerar o hoje como tudo o que se tem. E hoje é o melhor, hoje é o mais lindo.
Tento enxergar o que tem adiante, mesmo sabendo da inutilidade disso. Algumas coisas queremos ad infinitum; outras, vejamos, uma vez só já basta.
“Um dia acreditei que seis meses seriam infinitos. Seria como contar estrelas no céu. Um dia me dei conta de que cada dia bem vivido equivale a muitos outros somados. O futuro é uma página não escrita – ou talvez uma página que só é possível ler no momento devido. Agora o que tenho são uma deliciosa taça de vinho, fatias de presunto italiano, pão francês e muitos motivos para celebrar toda uma oportunidade sequer imaginada, mas sonhada, por isso estou aqui. Ainda busco muitas respostas para diversas dúvidas, mas acima de tudo busco experiências e olhares, cheiros e expressões. Você entendeu acima de tudo o que meu coração quis dizer: o hoje é lindo.” Texto enviado a amiga Claudia Hamra.

09.12.07

Chove, sem parar. Não me animo a fazer instalações.
Nem falei da que fiz em Sèvres. Não curti muito o resultado. Tem a ver com o fato de eu sentir que uma forma de trabalhar já deu e querer desenvolver outra. Preciso resolver isso. Mas tudo a seu tempo. E com esse mau tempo, trabalho menos.
Tenho uma lista de lugares que quero ir. Planilha. Só o tempo de recompor o corpo que tomou chuva. Tomar mais água.
Em 01.12, indo para Saint-Denis, escrevi:
“Otimismo. O quanto se desloca em tempo livre. O quanto deixamos para trás a cada momento sem nos darmos conta. Nossos fios de cabelo, que vão pelo ar, que descem por ralos, que grudam num abraço. Que cortamos e jogamos fora. São partes de nós, sabem de estórias e segredos, mas se vão. Nossa pele, nosso respiro, nossos poros. Lágrimas, pêlos, unhas. Sons, passos, toques. Partes invisíveis ou imperceptíveis de nós. Nossos nós. Que se desamarram para continuar no mundo ou voltar à terra de outra forma. Quanto dos lugares pelos quais passamos fica em nós? Quanto nos transformamos ao estarmos com um outro? Tempo, espaço, vento, pessoas. Os nossos eus que se apresentam aos poucos. Os eus que queremos ver, os que queremos ser. No fundo dos olhos, reflexo da alma. Coração. Células mortas. E nós, enquanto isso, vivos”.
A arte deve estar onde ela possa ser bem recebida?
Ou onde ela tenha algo a dizer?
Provocar. Consentir.


07.12.07

Vamos lá, recapitular alguns dias.
Sinto falta do meu primeiro caderno de anotações de viagem. Não do formato, mas do objeto em si que me foi meu maior parceiro em momentos incríveis. Receei diversas vezes perdê-lo, pois ele me continha. Contém. Em parte por isso escrevo menos. Mas mesmo com ele tinha dias de branco. Dias em que as dúvidas existenciais se fazem mais forte e me deixam sem certezas.
Quarta fui a Sèvres, numa escola de cerâmica parcialmente abandonada. Artistas ali foram e colocaram seus trabalhos direto na parede, à vontade, sem maiores luxos. Fui a convite do John Armstrong, canadense. Levei fotos, de última hora não quis colocar à mostra.
Fui eu mesma demais.
Em Sèvres teve ainda duas apresentações musicais. Um mais hard rock, toda força e intensidade do mundo sendo dada pelos músicos. Uma outra performance para encerrar: partituras iam sendo preenchidas com cola e notas musicais de plástico; um piano e um vibrafone para entoá-las, e após iam sendo colocadas numa base para serem quadros.
Me fez relembrar a idéia das minhas linhas serem partituras gigantes. Criar uma música conforme a colocação das flores.
Segunda andei pela região do Arco do Triunfo, mas no sentido oposto da Champs Elysées. Uma região linda, não lembro se Avenue Foch. Um longo caminho central com árvores diversas. Algumas ótimas para interagir.
Visitei Giacometti no Pompidou. Incrível observar o percurso do artista, ver todas as alterações do processo, do olhar. Um dos melhores trabalhos que já vi, intenso. Vi as fotos de Sabine Weiss, não a conhecia. Agora será lançado livro com 100 fotos em prol da liberdade de imprensa.
Daí viro a página e penso no meu fazer. Em mim. Vejo esse período aqui como um grande experimento, de vida e de arte. Os dois juntos são uma coisa só. Sou eu, através de tudo o que faço. Percebi meu amor pela fotografia, talvez por tê-la deixado um pouco de lado. Depois de ver tantos artistas múltiplos enquanto formas de expressão, só posso desejar o mesmo para mim.
Quando busco interagir num espaço ainda penso em que alguém virá me proibir. Ainda assim sigo em frente e então me vejo totalmente envolvida, o que há em volta silencia, some, fico com meus pensamentos.
Quando faço algo por algumas vezes, ainda que não sejam muitas, já quero experimentar outra. Foi assim com os sticks, as amarrações, os bouquets, as fitas nas árvores. Agora quero pôr alguns tecidos, de chita mesmo, no espaço.
Já disse, o TEMPO é a palavra mais escrita, a mais pensada. E sinto o escoamento. Aperta o coração. Hora dessas não estarei mais em Paris, estarei num lugar novo a ser descoberto. Assustador.
Pensei dia desses “porque chorei ao sair de São Paulo”? Porque sabia que me apaixonaria pelo que viria? Porque naquele momento me senti só com meu sonho. Um sonho imenso cheio de capítulos incríveis. Alguns só esbocei viver, pus de lado. Vivi quase tudo o que quis, já tenho memórias incríveis. Cada momento. Vêm às vezes para me fazer ter certeza da validade de tudo isso.
Meu ritmo, busquei respeitar. Me cobrei, ainda cobro, mas hoje por sentir o tal do escoamento, sou mais complacente comigo. Deixo a vida ser mais leve. Quero patinar, quero um créme brulée. QUERO. O que mesmo? Quero tudo seja uma coisa só. Quero me encontrar, aceitar meus desejos. Quero agradecer todas as graças. Sem dúvida, esse é o melhor momento da minha vida. Sou-me mesmo sem saber-me.
Sonhei a vida inteira com Paris, com outros lugares da Europa. Agora, andando pelo sonho, não sei se sonho. Não sei para onde vou ao dormir. Não sei se me desloco ou me afasto do lugar que por onde tanto tempo estive. Vou lembrando aos poucos dessa vida paralela que tive. Trens, parques, jardins, pessoas, ruas.
Os sonhos sempre se repetiram, talvez para se auto-afirmarem. Agora sei que eram aqui. Sigo sem saber se vou ou se fico, se vou e volto. Realizado um sonho outro precisa tomar seu posto, ser desejado. Viajar é possível. Quero que minha arte se espalhe além de mim. Isso pode ser feito a partir de São Paulo. De preferência perto do mar. Água salgada, água corrente.
Por falar em água, o Seine anda com outra tonalidade, amarronzada, com nível mais alto. Fui ao meu canto preferido, outras pedras estavam sendo engolidas.
Vamos vivendo. Eu com minhas lembranças, os lugares com minha ausência, os lugares à minha espera, eu e o que há por vir. Vou cuidar com carinho dos dias que ainda tenha dessa viagem chamada residência artística em Paris. Que possa ser o marco da minha vida. Que me impulsione a viver com sabedoria. O saber que vem do simples, que gera o alegre, que faz crescer, a si e ao que há em volta.


01.12.07

No momento as memórias mais fortes são as recentes. Quero afastar o passado. Não sei a Adriana que existiu ou a que quero ver viva daqui pra frente.
Mas hoje recordo os passos dados por Kassel, Amsterdam, Brugge. Ruas, lojas, vitrines. Caminho naturalmente por elas, ainda subo em seus ônibus, sento em cadeiras de restaurantes, sem saber bem o que fazer a seguir.
E ainda não sei. Tem sido a questão pertinente: o que quero a partir dessa experiência? O que venho recuperando de mim estando assim longe de tudo e de todos de antes?
Qual o santo para o qual de fato rezo?
Meu ponto: o de interrogação.
Quero exclamar.
Ainda falta mergulhar fundo, sigo na borda rasa. Vejo os peixes, quero estar entre eles.
Aquariá-los? Não, deixo-os soltos.
Lembro de um sonho, uma pequena fonte d’água em funcionamento tendo dentro belas rosas. Água fonte de vida? Rosas elo com o divino? A gente olha como quer. Mas sigo indo a lugares já idos em sonhos.
É mágico, mas ao mesmo tempo me deixa sem muito chão firme. Porque saber desses encontros me faz sentir que o que eu desejar, virá, mais cedo ou mais tarde.
Hoje me pergunto: qual o sonho do dia? Qual a entrada e o quê vem como principal? Desejo: me reconstruir.


novembro de 2007, quarto mês

30.11.07

Sobre uma foto, uma paisagem, recortar o nome da flor a partir de uma da espécie . rose, violete, jasmin.
Não sei se novembro foi o mês mais produtivo, talvez tenha sido o mês em que mais parada pude executar algumas idéias, mais maturadas. Desde que aqui cheguei busquei fazer trabalhos, as idéias foram surgindo e se transformando, mas talvez só há pouco tempo sinto haver mais consistência. Ontem na Beaux-arts com a Gabi observamos uma série de desenhos e pinturas, alguns aparentemente melhor resolvidos. Mas provavelmente só um olhar externo e distanciado pode fazer uma avaliação como essa. Quando somos nós a fazermos, algumas coisas fazem mais sentido, outras são puro exercício criativo. Mas tudo vai se combinando para algo que se saiba melhor como apresentar. Faltam palavras.
Principio do COPY and PASTE: recortescolagenscosturagens
Recortes de papel, de tecido, mas também do espaço, de um momento: fotografia. Recortes sensibilizados pela luz. Obvio. Às vezes é preciso rever os princípios, as idéias. Se eu crio uma paisagem através de recortes e sobreposições, posso através da foto fazer o mesmo, recortar e sobrepor, para criar uma paisagem.
Fórmula ou discurso?
Enxergamos paisagem às vezes num borrão de café. Numa mancha qualquer em uma superfície. É pictórico. Simulacro. Criação. Ilusão. Mesmo aquilo que se toca. As cores por vezes nos ajudam a enxergar entender uma paisagem. Paisagem de memória. Paisagem interna.
Porque mais paisagem que retrato?
Porque mais espaço que pessoas?
Porque mais silêncio do que fala?
A foto como suporte e a junção de uma costuragem: o que pode ter tiragem infinita pode ter o aspecto de único através dos recortes e colagens feitos a mão. Não dá para repetir. Mesmo que se pareça.


29.11.07

No momento em que comemoro mais um mês da minha chegada adentro o mês seguinte. Em breve, o quinto mês. O penúltimo. BEM ME QUER. MAL ME QUER. Séries. Idéia de positivonegativo. Que se queira – o desejo. YINYANG. Simnão. Idas e vindas.
Les jardins du Palais. Frase no livro de Calvino, Les Villes invisibles. Pequeno formato de fotos : gosto. Ontem vi expo de foto, parte do acervo do Pompidou. Não importa a dimensão, mas o assunto, a forma como conversam tamanho e assunto melhor dizendo. Claro que faz diferença. Mas o gigantismo não é tão fascinante mais para mim. Bom.
A foto enquanto objeto. Base para intervenções. Artificialidades.
Le simulacre, remplaçant désormais l’original, éfface le réel. Jean Baudrillard.
3 momentos – tríptico. Segurando um pouco de flores, a mão meio aberta, a mão toda aberta, as flores indo com o vento. Talvez presa por um fio e a mim. De tecido ou naturais.

27.11.07

Galliera. Palais Tokyo. MAM.
Exposições diversas, todas num mesmo período. Algo que sempre interessa, outras que não entendo. Third mind? Estranha. No entanto, a obra de Joe Brainard, colagem de aquarela de flores, próxima da idéia que tenho. Interessante. Diálogo.
Agora retorno a um pensamento, questão de artificialidade. Quando forço as cores, dando um artificial para a imagem, como fica isso sendo uma foto de flores naturais? Gera a dubiedade?
Tenho às vezes vontade de pôr no papel o que apenas sinto do que faço, sem tentar encontrar palavras explicativas, fechadas.
Claro que tenho o desejo de saber de forma teórica um pouco mais do que faço. Talvez intimamente eu já saiba. Mas talvez haja algo passando despercebido. No fim, sempre achei isso de todos os momentos da minha vida. Por isso o melhor pode ser sempre ir mergulhando de cabeça nas possibilidades reais.
Das fotos das árvores com fitas, fazer as costuragens depois, com as flores registradas aqui. Assim, me dedicar um pouco mais a esses “envolvimentos”.


26.11.07

Voltei a Vincennes, reencontrei a árvore com folhas amarelas e cobri seu tronco com fita amarela. Dessa vez não veio ninguém falar comigo, talvez por ser afastada de Paris as pessoas não interajam com arte pública. Ainda assim senti alguns olhares. Vi outras três árvores com as quais gostaria de interagir, mas por não ter material voltei para casa no intuito de retornar mais tarde, para dar continuidade. Deixei a amarela montada e três horas depois ela ainda estava lá. Segui para o Parc Floral, pois as três árvores que eu havia visto agora eram parte do cenário de jogadores de petanca.
Comparando com o sábado, o Parc Floral estava quase deserto ainda mais por se aproximar o horário de fechar os portões. Não tenho passado vontade. Escolho um lugar que gosto, mesmo sendo de grande visibilidade – ainda mais para seguranças, e me ponho a trabalhar. Talvez não haja muita degradação ou intervenções nos parques, talvez se conte com a boa vontade de turistas e moradores para manutenção dos lugares. O fato é que normalmente desenvolvo meus trabalhos sem interrupção. Escolhi uma grande árvore cujas folhas transitavam entre o laranja e o vermelho, envolvi um galho de pink. O cenário em si era lindo. As fotos do trabalho também.
Me pergunto: açõesinstalaçõesintervenções.
O que eu venho fazendo, já que passa a existir enquanto foto?
Recebi a visita da Ana Cecília Kesselring, mostrei meu trabalho. Ela observou a beleza dos cenários em que tenho feito minhas composições. Falou dos sticks serem muito definidos num primeiro plano, como figura e fundo. Talvez eu tenha buscado planos diferentes para ainda ter um terceiro ou quarto plano. De qualquer forma foi um momento interessante o de desenvolver as composições nos jardins com flores naturais e os sticks – talvez tenha sido de forma um tanto naif, mas foi compondo meu olhar para o que faço hoje com as fitas.
Hoje lembro de ter pensado que ao trabalhar com as fitas, me sinto abstraindo as formas para me resumir a uma cor. E a Ana fez um comentário: Mondrian começou suas abstrações ao geometrizar uma árvore. Vou pesquisar, não conheço essa história, mas imagino o processo.
Mais uma referência para o que faço.
Também observo a questão da dimensão. Num primeiro momento achei ter tantas flores, tanto material. Ao fazer meu trabalho eles meio que somem, são engolidos, são detalhes. Seria preciso pensar grande ou imensamente para ter a escala de Paris. Talvez ter um único propósito, um único projeto para fazer e vir com material à altura.
VER PROJETO DE INSTALAÇÕES PARA PARIS.
Seria ótimo envolver todas as árvores de um corredor como o Palais Royal, com várias cores. Vou voltar lá, contar quantas árvores tem, fazer um esquema, desenvolver um projeto.
Hoje pensei que não vim aqui apenas para desenvolver o projeto inicial ou mesmo ter um trabalho definido. Vim muito mais para pensar minha arte, ampliar-me.

25.11.07


Porque fazer arte, porque pensar arte? Quem precisa disso, eu ou o mundo? Ambos talvez? Arte é um produto, ou deve ser? Um questionamento, algo social? Se eu não fizer arte-produto, como é isso? Hoje é dia de dúvidas. Gostaria de me sentir fazendo um trabalho consistente. Gosto do que faço, mas não vejo muito além do fazer, da execução das idéias. Não o conheço de fato. Talvez isso me incomode, pois me dedico a algo que me pertence mas que não sei o lugar que ocupa.
Minha referência de mercado de arte é a pouca idéia do que sei em São Paulo. Ou salões. Enfim, algo sempre por um fio na minha concepção.
E há ainda toda uma parcela de vida pessoal, onde me sou. Onde me penso pessoa, mulher. Transito demais por diversos mundos, em minha opinião. Nem sei ser diferente, não quero. Só o questionamento de tudo isso que me faz por vezes perder o senso. Aí então me deixo meio muda entre centenas de palavras. Posso parar pra pensar no que quero só não quero com isso fechar-me em uma idéia definida. Preciso sentir-me aberta, flexível, leve para seguir adiante.



24.11.07

Saí sem muita expectativa, só no intuito de estar em um novo lugar. E me surpreendi. Passei por dentro do Château de Vincennes, que foi posto de lado após a construção de Versailles. Austero, mas de uma beleza interessante. Passei por dentro dele e fui em direção ao Parc Floral. O lugar parece de sonho – talvez eu já tenha sonhado com ele algum dia. É sem dúvida um dos lugares mais mágicos que já estive em Paris. A disposição das árvores, do lago, dos jardins. Todos os detalhes estão em harmonia. Diversos tons de verde, espécies de árvores, algumas altas, outras quase arredondadas.
Alguém fez uma espécie de arranjo vertical com folhas secas e pendurou em uma árvore. Como eu faço em tecido. Igual. Talvez eu traga um arranjo meu para essa árvore. E outros para o espaço. Nesse tive vontade de buscar autorização para trabalhar.
Busquei um caminho diferente ao sair do Parc Floral. Uma longa avenida sem trânsito, só pessoas, a pé ou com bicicleta. Era um trecho do Bois de Vincennes. Uma natureza mais livre, sem podas, crescendo pela vontade própria. Próximo já da entrada do metrô vi uma pequena árvore de folhas amarelas; desejei o tronco dela com fita amarela, que tenho. Volto lá amanhã para envolvê-la.
Tenho tido um sono inusual, com um certo cansaço. Talvez pelo frio, meu corpo e mente se adaptando.
Ontem acordei tendo em mente essa frase: tudo tem uma sombra. E o nada, também tem?

22.11.07

Ontem fiz algumas instalações e foram verdadeiras realizações por motivos simbólicos. Uma foto do jardin des Tuileries feita há dois anos foi base para a capa do meu projeto e outra do jardin du Palais Royal serviu para a demonstração do projeto.
Senti um certo receio em executar a montagem. Mas durante o processo ocorreu tudo de maneira tão perfeita... o melhor sempre é as pessoas virem perguntar do que se trata.
Nas Tuileries montei um jardim suspenso, usando duas árvores como se fossem colunas. Coloquei as flores e deixei lá, montada. Hoje já não estava, apenas duas flores sobreviveram no chão, esquecidas. Mais ao longe, pedacinhos dos fios brancos, de tamanhos que não eram antes. Prefiro imaginar que as flores foram reaproveitadas, que alguém levou para si. Eram parte do meu bouquet de flores múltiplas. Melhor assim, ir me desfazendo aos poucos, deixando fluir, trocar de mãos. Algumas dou por livre e espontânea vontade... uma artista canadense veio falar comigo, chegou a colocar uma flor, fez algumas fotos enquanto eu trabalhava. Foi especial.
Antes dessa instalação havia colocado as flores azuis em um galho numa área com bancos e uma só arvore. Fiz as fotos, deixei uma flor apenas. Hoje havia apenas um pedaço do fio branco. Isso é o que me fez pensar que alguém levou as flores consigo – o fato de ter sobrado resquícios.
Depois das Tuileries fui ao jardim du Palais Royal. Era como uma questão de honra fazer algo ali. É um jardim mais intimista embora não tão pequeno. Observei um segurança se afastar e dei inicio a coloração do tronco com fitas de cetim. Verde e azul claro. Usei o limite da extensão do meu braço para a altura e que fosse até acabar o rolo. Sempre as pessoas vindo falar, comentar. Dizer que tinha mesmo que ficar. Três seguranças jovens vieram falar comigo e pedir para que eu não deixasse sem autorização. Foram legais, me deixaram fazer fotos, me deram a meia hora que pedi. O fato é que eles surgiram quando eu já estava quase no fim. Executar essa versão foi para mim de um resultado ainda mais satisfatório, pois era apenas uma idéia. O outro das Tuileries se assemelhava muito ao do Salão Cultural. Mas executar a ambos em locais públicos de tanta visibilidade foi o que mais me agradou, me engrandeceu. Pela atitude, pelo fazer em si.
Não sei se falei das placas de vidro no tamanho A4 que comprei. Estou buscando fazer colagens com sticks para inserir na paisagem e fotografar. Fiz um circular com espaço descoberto no meio, para encaixar com as rosáceas das igrejas. Busquei fazer hoje, mas ainda é principio. Quero fincar na terra.
Hoje sai com a Gabriela Golin, fomos até as Tuileries ver se havia sobradosobrevivido algo da instalação. E me dei conta de que esse processo de fazer o trabalho é sozinho. Não me solto ou me volto inteiramente ao fazer estando com alguém. Fico pensando no que o outro precisa e desvio a atenção. Ainda que em alguns momentos eu gostasse de ter alguém junto para dar suporte, fazer foto, ainda prefiro estar sozinha. Sempre há alguém que se pode pedir para tirar uma foto e quanto a fazer, bom, é preciso se adaptar as possibilidades.
Sigo conversando com a Margareth para uma instalação no Villa Mais d’Ici, em 19 de janeiro de 2008. O trabalho precisará a ser feito no mesmo dia. Penso em um jardim suspenso, fios brancos e só chita.
Sei que embora seja mais fácil executar minhas colagens fotográficas no Brasil (e por isso não as estou fazendo aqui, principalmente por dinheiro) sei que aqui elas teriam uma chance maior de existirem enquanto arte a ser contemplada.
Por isso sigo me sentindo suspensa, ainda sem pouso certo. Desejando ter um lugar para estar onde as dúvidas sejam menores.


19.11.07

Algumas das melhores coisas que me acontecem nesta vida são espontâneas. Pessoas que se encontra por acaso, os presentes recebidos de surpresa, os descontos, os olhares, os sorrisos. A aproximação de um cachorro, um bom dia de um desconhecido, o vôo de um pássaro ou de muitos.
Me cerquei de flores enquanto elas aqui estavam. Me inspirei em suas cores e em sua disposição racional pelos jardins. Agora sinto ser minha vez de retribuir. E redistribuir. Sinto frio e isso me encolhe um pouco. Antes eu me sentia encolhida por não entender as pessoas daqui.
Os passos nós damos sempre segundo nossa própria vontade. Nossos amores também.
A Cité é sonho de dez anos, agora realizado.
Posso me dar esse presente de forma ainda mais surpreendente, basta expandir os desejos. Paris ou a Cité não são apenas essa residência, o desenvolvimento de um trabalho, de um projeto, de um pensamento artístico, é minha vida como um todo, nos talvez seis meses mais intensos que eu já tenha tido. Talvez mesmo por ter esse prazo de validade, por saber que as entregas devem ser feitas AGORA!
O prazer em avaliar tudo o que eu já fiz até hoje é imenso. Dei muitos e muitos passos, muitos sonhos dentro de um sonho. Ainda quero mais pois sei que aqui posso ter.
ADAPTAÇÕES. TRANSFORMAÇÕES. REALIZAÇÕES.
Quantas vezes fiquei com nó na garganta diante de uma emoção?
Quanto já consegui ir além do que sequer estimei haver em mim.
CONQUISTAS. ABRAÇOS. CONHECIMENTO. INTEIREZA.

18.11.07

Ontem fui a praça perto do Institut du Monde Arabe, a arenes de Lutèce e ao jardin des Plantes. Em todos fiz algumas intervenções.
No primeiro veio falar comigo uma mulher com duas crianças, dizendo que ali era perigoso para estar sozinha. Embora eu tenha prestado atenção, sabia que ali estavam duas árvores importantes para mim, como se fossem duas colunas. Enquanto eu finalizava a instalação e a desmontava, apareceu uma outra mulher, com um sorriso no rosto, para saber do que se tratava aquelas cores. Conversamos, ela achou ótima a proposta, deseja mesmo ser convidada para uma instalação posterior.
Nas arenas de Lutéce reparei na presença de seguranças, mas felizmente nenhum apareceu enquanto eu fiz as instalações e as fotos. Uma criança perguntou do que se tratava e ao ouvir a resposta disse: então é arte?
No jardin des Plantes um senhor me observou trabalhar. A bateria da câmera acabou e me pus a observar aquele espaço que há algumas semanas era só flores... agora era a vez de adormecer e se preparar para outra estação.
As árvores antes cheias de folhas agora são como esqueletos esculturas, lindas pra mim.
Durante esses dois dias de instalações a cidade embora fria apresentou um céu colorido, azul, para compor as fotos. Hoje acordou cinza e ainda mais fria, previsão semelhante para os próximos dias.
Assim sendo, terei de dar mais um passo para desenvolver meu projeto, aceitar essa mudança progressiva e ver no que dá. Vontade agora não falta.
Vontade: de convidar pessoas a participarem.
Contatar as pessoas que conheço e pedir que elas repassem o convite.
De fazer isso nas Tuileries.
Oferecer a Paris flores quando ela já não as tem.
Oferecer à São Paulo uma arte pública sensível, sensibilizadora.


16.11.07


Novos momentos das instalações. Levei algumas flores para passear, entre a Pont Marie e a Square Jean XXIII. Dispus sobre alguns lugares, árvores convidativas, algumass com formato escultórico ou desenho, gravura. Senti o frio nas mãos, sangrei em alguns lugares sem me lembrar de onde ter me arranhado. O frio fez com que eu me sentisse cansada. Assim, a cada dia terei apenas algumas horas para trabalhar, enquanto houver sol. À sombra é inviável.
Ontem vi Arcimboldo. O mais impressionante é imaginar alguém no século XVI tendo esse tipo de idéia em pintura de retratos, composição inusual. Algumas pinturas têm um esmero excelente, outras parecem obrigação. Sempre quis ver, agora está visto.
Fui também ao Museu da Idade Média. O espaço e resquícios de outras épocas são muito interessantes. Alguns objetos e sobretudo os resquícios de tecidos do século VIII. Mais pelo tempo de existência, o que me fez pensar justamente como algumas coisas perduram e outras se desfazem como bolha de sabão.
Na Maison Européene de La Photographie, boas mostras. De Rogério Reis, brasileiro com instalação que fala do microondas, forma de violência dos morros cariocas. Fotos do Harlem, em PB, com músicas ambiente – Martine. Larry Clark, que antecedeu Nan Goldin. Estudos de nus.
Qual o milagre que se deseja ver, que desejamos que aconteça? Que tipo de sobrenatural a olhos vistos? Algo além do que já temos em nosso dia-a-dia.
Um pouco de tormento momentâneo, dúvidas e inquietações. Dores, paixões, desejos.

13.11.07

Num primeiro momento o tempo parece infindável, suspenso no ar. Todas as novidades também transitam a sua volta buscando lugar para se disporem e permanecerem memória. Parece que em um passe de mágica todo esse processo se resolve e me vejo agora sem a necessidade de me maravilhar com tudo. Necessidade ou capacidade. Ainda encontro muita coisa nova aqui, admiro. Talvez apenas não haja espaço para o espanto. Talvez eu tenha me super povoado de incríveis sensações, e agora embora eu queira olhar a cidade com olhos de criança, êxtase, isso me falta. A luz do dia já não é mais a mesma. Dura menos tempo e a intensidade parece sempre dizer que ela irá se acabar. Isso me deixa meio taciturna. E ao mesmo tempo percebo as pessoas mais solícitas, mais sorridentes. Em alguns momentos penso na primavera no Brasil e a tenho junto a mim como um estímulo às minhas flores. Só que sinto frio, tento me adaptar a isso, achando que se estabilizará mas não, aumenta de forma progressiva. Me exijo um processo maior, talvez estar mais envolvida com o projeto inicial, mesmo sabendo que infinitas idéias surgiram estando aqui e estão aquém de qualquer teoria redigida em projeto. A prática dos meus olhos me surpreenderam nessa vivência. Como já fiz as duas grandes viagens que me dispus a fazer, fica assim uma sensação que os meses daqui pra frente terão um não sei o quê para me apresentar. Passei os três primeiros meses seguindo o vento, o sol, a luz. Agora o vento é cortante, o sol é raro, a luz é rebaixada. Talvez por isso não esteja me sentindo guiar. Os passos, eu terei de me forçar a dar.
Sou ativa, me comunico, aglutino. Lembro de momentos de pulso para decidir-me por algo no Brasil. Uma força de independência, de vamos: é preciso fazer. Isso deu uma sossegada aqui no inicio, os rios pareciam correr tranqüilos.
Agora tendo que entender esse vento, preciso da força de novo, chamo-a à razão. Estou aqui, não quero ainda ser teoria. Pelo menos por um bom tempo. Amo as palavras, me exponho com elas e as combino de forma a serem um pouco do que tenho de melhor. Uma paixão a de escrever.
Dia 11, domingo, houve festa em Aubervilliers- Quatre Chemins. Villa Mais d’Ici. Caipirinha, bonecos gigantes como os de Recife, som africano, tambores, dança, calor humano.
Ontem vi expo no d’Orsay, vernissage de Ferdinand Hodler (1853-1918). Artista que trabalhou muitos temas da paisagem e muitos retratos e a junção dos dois. De forma simbolista, as flores passeiam pelo quadro, sem terem raiz, sem estarem fincadas. Como as minhas colagens, elas não têm raizes, não estão plantadas, talvez nem haja chão para isso.
AS SOMBRAS NÃO TÊM DIREITO OU AVESSO.
PARIS.
Um dia andar pela rua te completa. Em outro um pão com Nutella. Um filme, uma música, um livro.
Ai vem a falta do corpo de alguém, nem precisa te aquecer. Precisa estar ao lado e te fazer lembrar as partes do corpo que se esqueceu que tem. Aquela parte que respira descompassada. Uma espera não completa. Um céu cinza também não.
Luzes acesas são um breve sinal de transformações. Do prévio que virá. Do telefone tocando. Das flores se abrindo.
Esse caderno sabe muito de mim. Traz de lembrança o dia em que o comprei, e que fui ao Ritz com Marcelo e Luiza. Bolinhos de arroz e mojitos dois dias antes de viajar. Ele sabe ainda do que diversas vezes não foi escrito. Mas que rememora por associações. Se torna simbólico preencher as linhas deste que me acompanhou no processo de uma nova jornada. Que ele guarde consigo todos esses dias. E bendiga o próximo guardador de palavras. Amém. Obrigada.


09.11.07

Assisti ontem a uma apresentação de teatro Nô. É um universo tão diverso do meu mas que ainda assim dialoga tanto. Faz com que sua beleza se mostre mesmo a olhos desacostumados da linguagem. Comunica de qualquer forma, porque a essência, o essencial é invisível aos olhos mas vemos com o coração.
Folhas amarelas molhadas pela chuva como um tapete pelas ruas. A água se esparramando ao lado do ônibus, uma dança na chuva, eu subindo no degrau do Hotel de Ville junto às águas.
Sequer comentei sobre a experiência que tive ao tentar descer na Bir Hakeim. Fui até Passy, vendo um trecho do Seine sem igual. Lindo. Voltei e desci no Dupleix. Ao andar percebi uma claridade onde havia uma igreja e uma praça. Decidi ir lá conhecer, mesmo que com isso eu viesse a me atrasar pro Nô. Ao entrar na igreja de Saint Léon, à minha direita havia uma vela, que era para Notre Dame de Lourdes... e ao lado havia um altar para a Imaculada Conceição! Uma linda imagem com rosas douradas aos pés. A impressão de que ela sorria. Ainda nessa igreja vi uma imagem de Santa Rita, que segurava na altura do coração um ramalhete de rosas, em formato de coração, e com outra mão oferecia uma rosa. Hoje, ao acordar, me veio uma percepção: é o feminino do religioso quem oferece as flores, é também em seus pés que as flores estão. Ainda pela manhã li a estória do índio Juan Diego à quem Guadalupe apareceu. Ela encheu o deserto de rosas e ele as colheu com seu manto. Ao entregar ao padre, a imagem da santa estava impressa no pano.
Assim tenho me construído.
A religiosidade agora faz parte de mim. E se antes eu não entendia o porquê das flores, agora parece que a conquista se faz com isso.
Desejo agora saber o porquê das flores com as nossas senhoras e santas. Santa Terezinha das Rosas também as oferta.
Me dei conta de que ofereço minhas flores ao céu, enquanto as deusas as ofertam a Terra.
Pouco me importa se o trabalho, enquanto arte, venha a ficar mais ou menos forte com isso. O que me importa agora é encontrar minha verdade.


08.11.07

Maison du Japon
Ouvindo uma palestra sobre Nô, a idéia das máscaras.Mas poderia ser coberturas para outras partes do corpo. Luvas, botas. Relicários.
A ROUPA DOS LÍRIOS.


06.11.07

Agora o que desejo é encontrar o fio motivador para realizar as instalações. Não segui meu projeto ao pé da letra. Muito do que me propus a fazer há um ano atrás deixou de ser coerente comigo estando aqui.
Da mesma forma que muito foi absorvido e anexado, muito precisou ser descartado ou apenas deixado de lado até um novo momento. Hoje por exemplo me sinto muito mais interessada em falar inglês do que francês. Há um ano isso não passaria pela cabeça nem como remota possibilidade. Até ter que falar com o Bob Gruen em fevereiro, não havia dito mais que algumas frases. Ter certeza dessas capacidades nos faz maior, nos expande e transforma.
Agradeço por todos os dias de sol nesse inverno parisiense. Venho aprendendo a agradecer pelos de chuva e céu nublado. Porque a beleza está contida em tudo.
Já estou dando passos no meu quarto mês. Ontem fui até a torre Eiffel e depois voltei a passos leves, conhecendo novos espaços da cidade. Foi como estar em uma nova cidade. Andei até a place de la Concorde e de lá peguei metrô. Vi filme com o Igor e com vinho branco. Tenho visto Os normais. Isso recupera minha capacidade de loucura.
Dei um pouco de pão às gaivotas, uma se transforma em dezenas... é lindo, por instantes se está rodeado de aves festejando essa oferta.


05.11.07

Estou aqui pertinho dela, a torre. Não da para esquecer que ela está aqui, assim como não sentir o frio de uma textura outra.
Ontem sai para andar e fiz fotos de uma intensidade que não percebia antes. Profundas. Inteiras. É como se mostrasse um novo momento, em que agradeço e me entrego.
Eu vi um vôo de pássaros brancos, numerosos, em círculo, subindo e descendo, tocando o Seine e o céu. Ali, da Pont Marie. Lindo.
A cidade vai se cobrindo de dourado e de muitas cores.
Os desenhos ao lado vieram da madrugada. Me parecem sólidos. Eu os vi diferentes, os meus próprios trabalhos, ao mostrar ao Sean Rafferty. Mas não vi através dos olhos dele, via através dos meus próprios, apenas com um novo ponto de vista. Talvez transformado como muito em mim e a minha volta.

outubro de 2007, terceiro mês

30.10.07

Admito ter sentido um certo estranhamento em me saber aqui há três meses. Não por estar na metade do caminho, mas por saber o tanto de coisa que fiz, os lugares pra onde viajei. Num primeiro momento o que parece mais relevante é o percurso Kassel e Veneza.
Mas não, tudo começou muito antes, com Versailles e suas águas noturnas e Giverny e Rouen.
Ali dei os primeiros passos tímidos no processo de me deslocar. Me pôr em movimento. Li e assisti a um filme que falam sobre o caminho de Santiago de Compostela. Esse rico caminho há séculos traçado por peregrinos que tem um elo forte com a fé e se permitem perceber nessa entrega a delicada tessitura da vida e, a partir disso, se transformarem.
Talvez eu tenha uma predisposição para ver as coisas desse modo.
Mas de fato creio que aqui tenho feito minha grande peregrinação, cuja recompensa maior seja eu mesma.
Hoje desenvolvi dois jardins sobre quadrados brancos e flores de chita. Tentei ser o mais racional possível, compondo numa simetria semelhante às dos jardins parisienses, somado ao espontâneo do meu próprio olhar.
Recortei algumas flores de tecidos ainda inteiros e deixei os buracos vazarem o tecido, sem separá-lo. Algumas flores permanecem. A proposta é de fazer um jogo com a grama e as flores presentes e ausentes do tecido.
Pela manhã acordei tendo a mente imagens de rosáceas em branco. Ao invés do escuro do metal, a estrutura do seu formato. Estilização talvez.
Encobrindo capas de livros diversos com papel florido. Não haver indicio do conteúdo. Prateleiraestante.
Se vazada em baixo, deixar pender uma flor do meio dos livros.
Os antigos e grandes livros de atlas.
Os que são grossos e temáticos.
Ter um aberto, com a dobradura que fiz recentemente, talvez na própria página do livro.
Duas páginas.
Sentada, os pés descalços, formando a parte oca pela sola dos pés. Cavidade com flores.
Ter uma mão junto. A outra é a que fotografa.


29.10.07

A proximidade com o fim das páginas deste caderno me fez diminuir a escrita. De uma forma simbólica, representa o fim de um processo.
Posso considerar apenas como metade do caminho. Mas o processo como um todo, que deve ter sido sempre ininterrupto, não há porque terminar. Continuum.
Coloquei sempre a questão do calor humano neste novo momento meu, em que o frio além da janela domina, mas que não permaneça em mim.
Ainda estranho minha própria voz e as arestas das palavras.
Em diversos momentos percebo-me aqui e agradeço. Independente do que estar significa ou o que possa ter de desdobramento, tenho vivido momentos especiais. De encontro comigo. Vendo repetições e novidades.
Resolvi experimentar um pouco mais. Mais dos sabores da cidade. Frutas, legumes, carnes, queijos e vinhos.
Tenho tentado fazer o que a principio não me agrada tanto, o que não é a primeira opção, alterar o previsível do meu próprio olhar.
Mas mantenho a poética.
Que as fotos existam enquanto foto em si.
Mas ter as minhas próprias fotos como suporte para novas inter-relações, como uma base comum. Usar os céus de Milão diversas vezes, ou os retratos de Ali e Angela. Tiragem ilimitada, das bases.O único contido no que se manifesta ao refazer. Nas colagens e costuragens. As intervenções com o orgânico que há no humano.
Manual x industrial
Natural x artificial
Orgânico x inorgânicogeométrico.
Horizontes verticais ou galhos das flores.
Que as flores estejam abertas quando eu acordar e que por elas eu me guie.

28.10.07

De onde menos se espera nascem coisas. Quando menos se espera.
Quando o tempo volta devagar, mas como um capítulo novo. E se reconhece em passagens diversas, em passos dados, em caminhos escolhidos não por acaso.
Hoje cortei meu cabelo, da mesma forma que fazia quando adolescente. Pôr todo o cabelo para frente e passar a tesoura. Não sei o que há de simbólico nisso, mas há uma ponte com minha força e meu passado.
O movimento das árvores e das nuvens, a troca das cores, a alternância de sons. Os avessos que não são tão contrários. A água salgada do mar que reforça minhas energias e onde me encontro. O vôo dos pássaros. Os símbolos diversos desde o início do mundo.


21.10.07

Ontem fui perfurar uma foto, feita no Guarujá, ao longo da linha do horizonte. Perfurei com um alfinete de cabeça colorida, e deixei que ele ficasse. Somei diversos outros, alternando as cores sem lógica, só o espaçamento é igual, meio centímetro. Em outra foto fiz tracejamento com a linha, sempre vermelha, e depois voltei completando os espaços em aberto. Prendi no fio uma flor adesiva pequena.
Hoje, em uma das paisagens de nuvens eu costurei recortes de flores de papel fotográfico, linha vermelha.
COSTURAGEM. Botões de flores.


20.10.07

Ontem visitei a FIAC Paris, feira que reúne galerias de vários países, com produção contemporânea. No Cour Carré do Louvre, jardins des Tuileries e Grand Palais. 25 euros para entrar. Valeu a pena, muitos trabalhos instigantes.
Aliás me dei conta de que preciso de um certo estranhamento para apreciar um trabalho, como os que há em Magritte.
Paisagens com sobras de recortes a laser de tecido. Ter um lado reto nesses recortes. Pôr em caixas de acrílico. Ter estampa de elementos referentes a natureza. Ter fotos.
Fazer paisagens com imagens de revista. Papel de embrulho. Relacionar com a primeira colagem com fio suspenso que fiz (da cabeça de mulher)
Criar uma linha do horizonte para os céus de nuvens.
Uma linha, pintada. Uma linha, bordada.
Deixar que pendam elementos dessa linha do horizonte. Ou ponto de fuga. Perfurar com agulha e depois passar o fio. Tracejar.

19.10.07

Na FIAC
O lugar que eu quero que exista para além dos meus olhos, passa além da habitação humana. Onde só se chegue com a mente.
O quê um jardim pode recuperar? Um jardim artificial entre tantas artificialidades? O que há de natural?
Interferir no vidro que protegerá a fotografia. Com colagem, desenho. Mais uma camada.


18.10.07


Existe um estranhamento no meu estar em Paris. Me coloco sozinha, me fecho, vejo a cidade assim e faço igual.
Sempre fui assim e agora tem se intensificado? Talvez há um longo tempo eu tenha me cercado de pessoas, mas no meu íntimo tenha estado sempre sozinha.
Que sentido faz então os jardins coletivos diante dessa constatação?
HORIZONTE. É SÓ UMA LINHA.
CONEXÃO PESSOAL. POR UM FIO.
A VIDA POR UM FIO.
A SANIDADE POR UM FIO.
VOU USAR DOIS FIOS NO QUE EU FIZER. ASSIM PODE-SE FAZER MAIS FORTE.
Grelha. Não havia uma estrutura semelhante nas estruturas renascentistas? Ou classicismo. O geométrico que calculava as distâncias de forma a se criar o harmônico.
Será que quando eu estava no Brasil me imaginava fazendo mais ou menos do que fiz até agora?
A eterna frase: o caminho é mais importante do que o ponto final.
Temos um ponto de partida, uma idéia de onde queremos chegar, mas detalhe algum da jornada nos é dado conhecer.
Pessoas, lugares, dores, amores, encontros, deságües, olhares, desejos, sonhos e realizações.
Hoje já não tenho mais vozes dos que conheço comigo. Já não tenho sua tridimensionalidade. Sei que eles não estão ao alcance da mão se eu precisar que venham até mim.

16.10.07

Todos os que viajam têm um lugar para chamar de casa. Muitos vão deixando partes de seu coração por onde passam. Às vezes fica a maior parte dele em um único lugar, daí a vontade de voltar o quanto antes. Trouxe comigo um pôr-do-sol, uma paisagem para se ver estando sentada, para alcançar um lugar maior.
Está aqui dentro de mim, em meu coração por hora inteiro.
Ontem fiquei em casa. Desfiz malas, coloquei fotos no computador, olhei-as e reparei como essa semana foi especial. Tão simples, suave, boa de se lembrar.
Sereníssima era o nome de Veneza. Sou eu hoje. Sereníssima com o desejo de querer saber o que fazer enquanto instalações.
Quando damos nosso melhor?
Talvez quando achamos que não há ninguém olhando, ou quando pensamos que as críticas serão indeléveis.
Tento rever meu projeto, mas embora ele se mantenha coerente e tenha me trazido até aqui, já não sei vê-lo junto ao novo que passei a realizar. Fico então transitando entre o que pensei em fazer e o que ainda desejo fazer. E não faço.


14.10.07

Por hora, Palazzo Pitti e giardino di Boboli. Entrei sem pagar, e adorei além disso.
Agora na Ufizzi, prováveis três horas de espera. Uma já se passou. Alterno com uma senhora espanhola de São Sebastião o sentar-se ao banco.
O rio é o Arno. A ponte Vecchia ainda tem construções sobre ela, como no filme Perfume - História de um assassino. As pontes eram assim. A Pont Neuf em Paris foi a primeira a não ter, não sei se em Paris ou em todos os lugares.
A expo sobre os jardins, da Babilônia a Roma foi bem interessante, mostrando o percurso dos projetos, a origem.
Jardim de filósofos, de poetas, para reflexões e inspirações.
A noite sigo para Paris. Bercy. Pela manhã estou em casa.
Há um mês exato estava a caminho de Kassel. Quanto tempo entre a idéia que tinha e a que agora tenho de mim?
Não me imaginava assim andante quando no Brasil. Talvez me visse mais frágil, ou me negasse possibilidades de um mundo novo.
Agora são tantas portas abertas que me deixo viajar. E viver.
O sol parece às vezes nascer e se pôr mais de uma vez ao dia. Dias correm num único percurso. A vida, em uma semana, se transforma. Um mês, e a vida se transforma. E assim, sucessivamente, não importa a medida usada. Sem querer desmerecer o Renascentismo, sempre há o que altere o olhar, mas passo rápido por essas alas.
Hoje vi pinturas outrora só em livros.
Davi de Michelangelo.
O nascimento de Vênus e Primavera de Botticelli.
A medusa de Caravaggio.
Sim, são incríveis. Mais incrível ter essa tridimensionalidade, o espaço que lhes pertence e que agora conheço.
Alguns Da Vinci na galeria Uffizi. Outros não verdadeiros mas acompanhando objetos. Inteligência em pessoa. Adoro sua luz e sombra. Talvez seja atemporal.
Das cidades. Gosto mais das pequenas, tranqüilas. Mesmo quando são grandes, busco seus espaços menos turbulentos.
Com essas escolhas venho me conhecendo.
Nem sei se de fato algo vem se transformando, talvez apenas mesmo a percepção sobre mim que esteja sendo mais visível.
Fico tranqüila numa fila de três horas para ver uma única escultura. Ao ver que ela não pertence ao lugar, que está em outro com uma hora de fila, tudo bem: sigo para lá. Foram quase quatro horas hoje só de filas. Era um tempo que eu tinha. E queria dar. Vejo o que quero quando dá. Algo assim.


13.10.07

De Veneza a Verona
A vontade é de espremer a cidade para que até a última gota ela possa estar com você. Em se tratando de Veneza, com tanta água em volta, seriam muitas as gotas para se ter consigo. Quatro dias serenos, de momentos divertidos e agradáveis, sorrisos e risos, como se a cidade estivesse o tempo todo a sua espera.
Beber água de bica. Spritz. Andar por pontes, subir e descer. Dar num beco sem saída, ou em um que só se segue por barco. Adentrar as diversas construções de portas abertas pela Biennale. Não visitei todos os lugares ou todas as obras, mas o que há agora em mim é bem representativo.
Quatro dias, quatro noites, com o balanço da água no corpo.
Fui criança diversas vezes. Como quando tirei o sapato para molhar os pés nas águas do Lido, qual dos mares?
Quando corri para sair na foto neste mesmo mar. Catei conchinhas. Me lambuzei de sorvete. Brinquei com cães e gatos.
Senti o frio da manhã e da noite em todo o corpo só para ir vendo a paisagem do vaporetto; o vento foi sempre imperdoável. E o pôr-do-sol de ontem? Sem palavras, laranja no céu e na água.
Divagação. O balanço da água no corpo dá a sensação de andar nas nuvens. Não que alguém já o tenha feito, apenas se imagina que seja algo que te deixa leve. O céu se reflete no mar. Há quem brinque com o fato de pássaros e peixes às vezes viverem juntos ou não haver diferença do lugar onde estão. Quando chove sai água das nuvens, que encontram o mar. Talvez céu e mar sejam iguais. Deus deve ter pensado quem ficaria em cima e embaixo, e escolhido o mar embaixo apenas para não desaguar o tempo todo sobre as nuvens: elas viveriam encharcadas.
Mas é possível sentir-se andando nas nuvens com esse balanço do mar.
Agora, sigo a Verona.
As memórias do dia. As memórias do depois. Anotar daqui a um tempo o que ficou das andanças. Talvez no próximo caderno ou em um separado.
Verona.
A cidade é uma graça. Como Rouen, pequena. Conheci um jardim parque e a colossal arena. Dia como perfeito, céu azul e ameno. Aguardo o almoço, lasagna. Uma comida de verdade, não lanchinho.
Arena, areia, vidro.
O que é o tempo que se vive. É sempre esta a pergunta. Foram seis horas em Verona, mas a impressão é de vários dias tantas foram as coisas vistas. Os passos dados. Os degraus subidos. A cidade tem outra escala. É possível ver muito e ver que o tempo não passou. Retomo Rouen: a imagem que eu tinha de Verona era algo mais como a que eu encontrei lá, mais medieval.
É surpreendente sempre viajar e descobrir.
Verona a Firenze.
Subida ao Castel San Pietro
Passagem pela ponte Piedra, a mais bela, larga, de água límpida corrente. O rio, Ádige.
O artista contemporâneo que interagiu no Castelvecchio, Herbert Hamak.
Verona porta nuova. Que Firenze me receba bem, com um bom albergue della gioventú.
Paisagem ao pôr-do-sol pela janela do trem. 18h. Duas e trinta e três de viagem, rumo a Florença, cidade que abriga o David de Michelangelo.
Móbile de Calder com cacos diversos. Vidro, pedra, cerâmica. Peggy Guggenheim. Afrescos aos pedaços, falhos, contemporâneo. Castelvecchio.
Não importa o tempo que as coisas tenham, podem ser de hoje. Te trazem para o seu próprio dia. Cinco dias ou cinco séculos, apenas um piscar de olhos separando. Ou juntando.
Para ver em Firenze:
Galeria Uffizi, Palazzo Pitti,
Giardino di Boboli,
Duomo.


12.10.07


Flore di passiflora.
Nella tradizione Il fiore si riferisce alla Passione di Gesú. Nella parte centrale del fiore sono visibili tre pistolli: i tre chiodi dela crocifissione; cinque stami:le cinque praghe, e uma corolla di filamenti: La corona di spine.
I dieci petali Bianchi indicano Le dicei paroli di vita (i 10 commandamenti)
Texto de um livreto religioso na igreja de São Francisco em Veneza. Impressionante. Ainda mais por eu ter ligado a flor de passiflora à mandala de Notre Dame.

11.10.07

Fui ao Lido de Veneza. Uma surpresa. Linda, rica, casas e praia. Areia, pedras, conchinhas, comigo e lá.
Recolhi algumas, vou juntar à pedra branca do primeiro dia.
O Lido foi entrega, alegria, eu comigo.
Tirei o tênis, entrei só com os pés, água fria e perfeita. Sol e malha de frio.
Areia e auto-retrato de braços abertos. Fotos para lembrar.
Busquei mapear a cidade, encontrei alguns trabalhos.
Amanhã tem mais, é o quarto dia e último. Depois devo seguir a Verona.
Malha e jaqueta de inverno comprada.
Valpolicella e salaminho.
Pizza e pasta.
Perfeito.
Muitos céus, alguns laranja.
Ontem subi no Campanillo, sete da noite e quase congelei vendo a cidade se acender. Muitas fotos de contorno de pessoas.
As pessoas são divertidas, mesmo quando mal-humoradas. Talvez eu lembre duplamente do spritz por causa do tiozinho que me atendeu. Talvez eu lembre do meu brinco também, pelo contrário da francesa, simpaticíssima.
Talvez o corpo doa tanto em momentos assim por estar se expandindo. O coração não cabe em si na caixa toráxica que o envolve. Por isso dói. Faz sentido. As viagens nos fazem ir além, esticar-nos e sermos malabaristas. Equilibrar-nos. Em nós mesmos. Ver a linha do horizonte horizontal e não em variantes ângulos.
Após algumas andanças de vaporetto, até para tomar banho se sente a ondulação no corpo. Pra lá, pra cá.






10.10.07

ART IS THE DEMONSTRATION OF THE ORDINARY IS EXTRAORDINARY. Amedee Ozenfant
O cansaço é sempre de tudo. De se pôr atenta, do frio, do comer pouco, do andar. A felicidade é sempre de tudo. Por sentir o frio para ver melhor a paisagem do vaporetto, por entrar numa fábrica em Murano e paquerar vendo um vidro ser feito, por observar cada detalhe, por fotografar situações novas, por ver o rosa das luzes públicas, por brincar com um cachorro, experimentar algo típico, falar italiano mais que inglês. Por achar que o vaporetto já não é mais novidade em menos de 24 horas.
A Bienal de Veneza tem valido muito a pena. Trabalhos consistentes, reflexivos. Agora vou mapear a cidade por conta dos trabalhos que estão distribuídos por ela. Já vi alguns, a alteração do espaço expositivo altera o sensorial.



08.10.07

APENAS O NECESSÁRIO. Série.

07.10.07

Ontem foi a Nuit Blanche. Doze horas de apresentações artísticas ao longo da linha 14, que vai de Batignoles a Olympiades. Fui a alguns pontos, a começar pelo jardins des Tuileries. O trabalho consistia em grandes estruturas circulares de metal vazadas, com espaços para vasos de cerâmica com fogo aceso dentro. Muitos vasos em cada estrutura. Diversas outras estruturas menores em outros formatos mas sempre com fogo aceso. Noites ardentes ou algo assim o título. Havia um candelabro suspenso, que de certo ponto via-se no centro da roda-gigante. Um equilibrista de metal se sustentava sobre uma corda num ir e vir carregando uma estrutura acesa. Lindo tudo. Me fez pensar nos sonhos maiores que temos e que podem se realizar. Sonhar não custa nada, buscar realizar é o que faz a diferença.
Visitei o Louvre. Entrei às dez da noite, fui à ala da arte egípcia, depois arte oriental, mas fiquei apenas por uma hora. Mesmo gratuito, precisava de arte contemporânea.
Vi apenas mais alguns cantos. A idéia em si vale muito a pena participar, sentir-se segura em transitar com as pessoas noite adentro. Essa parte para mim é uma obra em si.
Vi uma obra em frente à Igreja de Les Halles, falando do culto ao corpo.
Telefones públicos revisitados.
Lótus que se movimentam na Saint Louis. Em frente ao Hotel de Ville exibiu-se jogo das quartas de final de rugby. Ao término, um mar interminável de garrafas, de vinho e de cerveja. O lugar ainda mais aceso que em Tuileries, pela comemoração dos que lá foram. Imagino que a França tenha ganhado a partida. Hoje o Louvre também é gratuito, primeiro domingo do mês. Mas me deixo estar novamente às margens do Seine com Saramago.


06.10.07

Ontem tentei ver o Galliera, mas revi o Musée d’Art Moderne, junto ao Palais Tokyo. Com boa parte em manutenção tive um trecho menor para me ater, por isso talvez assisti a depoimentos de artistas do acervo. Anotei observações de Messager e Boltanski.
Todas as idéias iniciais, preconcebidas, foram se alterando. Pensei em ir a museus só quando se fizesse frio e que antes disso faria minhas instalações. Nada. A arte contemporânea que se tem aqui é fundamental para os sentidos. E hoje, sábado ensolarado às margens do Seine, meu recanto preferido, percebo a identidade do meu olhar e do meu querer fazer. As informações que vejo apenas acrescentam, mas não exclui. As modificações são apenas re-construtivas, evolutivas. Sinto-me dando novos passos mas não mudando de caminho.
Aqui tenho me observado respeitando mais o tempo dos vídeos. Assisti alguns inteiros, outros por grande parte.
Tenho tentado não apressar meu andar para aproveitar o momento em si.
Sigo às vezes sem internet, às vezes sem bateria da câmera, às vezes quero apenas me ter em casa, outras ir a três lugares.
Mas agora estando de fato onde estou.
Quantas vezes já fui e quantas ainda serei?
Meu desejo no momento é apenas o de sossegar com relação ao que deixei no Brasil.
Apenas ser e viver o agora daqui. Sempre.
Hoje é noite branca. Nuit Blanche. Diversas apresentações artísticas em alguns bairros próximos a mim. Até as cinco da manhã.
Vendo uma instalação do Boltanski, fiz uma foto movimentando a maquina e me perguntei:
O que sobra da arte que vemos?
E daí veio:
O que sobra das pessoas que vemos?
Das flores.
Dos lugares.
Fica como que traços, cores, sensações. Nada definido, tudo em suspensão. Pensamento semelhante a um tido no Luxembourg.
Quanto tempo é necessário para que as pessoas sejam apenas cores.
Veneza na terça. Verona. Florença.
Mais uma semana-mês, benvinda em minha vida.
Uma instalação que seja feita em tinta a óleo, e que se apresente fresca no primeiro dia. Assim tê-la como viva até estar seca.
Como um jardim e o tempo de vida das flores.
Não que a tinta vá morrer, mas ao término da expo a instalação deixa de existir. É o seu tempo.
Tão perto d’água pode-se molhar. Do fogo, se queimar. Em uma semana, deu-se os dois.
Faz sol aos fins de semana. São Pedro deve passá-los aqui.
Lendo “Ensaio sobre a cegueira”, Saramago.
Hoje é a segunda vez que me pedem para fazer fotos sem que tenham câmera. Querem que eu use a minha. Hoje talvez eu tivesse feito, houvesse bateria. Ambas descarregadas.


05.10.07

No Centre Pompidou
Fazer com que as flores de tecido – recortes, tenham uma forma arredondada firme. Envolver com cera. Moldar. Entretelar. Bolas de vidro de Montmartre. Ou aquário. Servir só para moldar, depois retirar. Ficar vazado, oco.
Annette Messager fala de sua multiplicidade, de não querer fazer apenas uma forma reconhecível de trabalho. Assim, se envolve com fotos, desenho, bordados.
Que se reconstrua a própria estória a partir de seus trabalhos.
Uma flor quicando como uma bola. Imagem estática em PB. Flor vermelha. Vídeo. Vertical.
Imagem impressa sobre tela. Bordar o desenho. As imagens com estrutura geométrica evidente.
O QUE É ÚNICO E O QUE É FRÁGIL (DA VIDA). Christian Boltanski
THERE IS NO REWIND BUTTON FOR LIFE. Nam Jum Paik

03.10.07

Dois meses em Paris.
Significa tanta coisa que prefiro apenas sentir sem pôr palavras no papel.
Ontem, mesmo achando que um lápis era necessário, me pus a desenhar. Desenhos com as idéias das flores de cetim.
Passei o dia fazendo isso e o resultado foi surpreendente. Cada um com sua identidade.
Em alguns usei aquarela. O papel de base é para isso. Talvez passem a ser pinturas, mas o gesto de cada eu não tenho como repetir, nem quero. São orgânicos embora matemáticos.
Fiz também um desenho com a frase: toalhas de mesa com crochê fingem ser girassóis para com seus fios vermelhos serem plantadas em um vaso no meio da sala.
À noite pensei quantas outras coisas podiam se fingir girassóis.
Este também foi aquarelado.
As formas acima partiram das minhas flores e são como que jardins. Mas podem também ser quaisquer outras coisas. Outras leituras.
Tive vontade de fazer esses desenhos sobre fotos. Talvez as que eu trouxe.
O que é isso de ser viajante. De se desviar de maus hábitos para adquirir novos. De se sentir ou não saudades. Mais fácil sentir falta. A readaptação que te faz olhar para tudo como sendo novo. E que depois passa a fazer parte de você e da sua vida.
Conviver com os pêlos e o pó.
Achar que está frio. Querer sorvete. Não saber de TV, jornal, revista.
Lançar-se aos desenhos e amarrações. Se preservar de pessoas. Porque elas partem? O que é isso de ser viajante e achar que nunca vai se cansar de andar pelas ruas na eterna descoberta e de repente... ficar em casa é uma excelente opção. Daí um dia de novo sai e se fascina. E fica nesse vai e vem, como uma dança de tudo o que pode ver e o que ficará para uma próxima vez.
Os hábitos, as expressões, os gestos dos que são do lugar que se tenta fazer parte.
A cidade te recebe bem, os cidadãos nem tanto. Sequer quando se está consumindo.
Estar comigo, sei que é a grande viagem.
Com ponto de partida e de chegada.
Eleanor Antin, 100 boots, 1971-73. As botas que caminham pelos lugares. Senso de humor que me agrada em uma obra de arte. Acervo do Pompidou, cartões postais.


02.10.07

Do Buttes-Chaumont segui para conhecer o Moulin Rouge, pelo menos a fachada dele, com as pás vermelhas originais. Depois perambulei pelo bairro, que fica em uma colina. Subidas. A pé. E foi assim... vi o Moulin de La Galette, o Lapin Agile, o último vinhedo remanescente de Paris, diversos jardins, uma loja que vende produtos de época com estoque. Havia brinquedos diversos, enfeites, carretéis, de uma época que já foi viva e que hoje são lembranças. Tanta coisa. Me apaixonei por um par de brincos de pérola numa caixinha redonda. Talvez eu volte lá para buscar. Fica ao lado do cemitério de Montmartre, para que eu não me esqueça.
Há dois meses eu embarcava. 1\3 da viagem. Garganta irritada, corpo confuso. Uma faxina para limpar as idéias. Da janela, a primeira neblina, a primeira manhã enevoada. Mas com temperatura agradável. Podia ser assim sempre.
No Pompidou ontem. Observei o termo folhas mortas. Folhas mortas em uma natureza morta.
Vi diversos trabalhos de Man Ray. Ele era múltiplo. Conhecido por suas fotos, sem dúvida ele se dedicou mais a isso, mas nem por isso ele deixou de se expressar um objetos, esculturas. Dialogar com seu tempo e suas necessidades.
Uma parte de mim ainda pensa que é preciso ter foco, seguir uma linha e desenvolver, bem. Mas no meu íntimo aceito todas as multiplicidades que venho fazendo ou pensando.
Acho que preciso de um lápis.
- cavar um buraco, encher de flores.
-uma cama, com lençol e travesseiros brancos. Um fundo infinito branco. Flores dispostas na cama. Eu deitada ou não.
“as flores descansam para se manterem belas”
“as flores descansam para terem idéias”
“as flores descansam para sonharem”