terça-feira

outubro de 2007, terceiro mês

30.10.07

Admito ter sentido um certo estranhamento em me saber aqui há três meses. Não por estar na metade do caminho, mas por saber o tanto de coisa que fiz, os lugares pra onde viajei. Num primeiro momento o que parece mais relevante é o percurso Kassel e Veneza.
Mas não, tudo começou muito antes, com Versailles e suas águas noturnas e Giverny e Rouen.
Ali dei os primeiros passos tímidos no processo de me deslocar. Me pôr em movimento. Li e assisti a um filme que falam sobre o caminho de Santiago de Compostela. Esse rico caminho há séculos traçado por peregrinos que tem um elo forte com a fé e se permitem perceber nessa entrega a delicada tessitura da vida e, a partir disso, se transformarem.
Talvez eu tenha uma predisposição para ver as coisas desse modo.
Mas de fato creio que aqui tenho feito minha grande peregrinação, cuja recompensa maior seja eu mesma.
Hoje desenvolvi dois jardins sobre quadrados brancos e flores de chita. Tentei ser o mais racional possível, compondo numa simetria semelhante às dos jardins parisienses, somado ao espontâneo do meu próprio olhar.
Recortei algumas flores de tecidos ainda inteiros e deixei os buracos vazarem o tecido, sem separá-lo. Algumas flores permanecem. A proposta é de fazer um jogo com a grama e as flores presentes e ausentes do tecido.
Pela manhã acordei tendo a mente imagens de rosáceas em branco. Ao invés do escuro do metal, a estrutura do seu formato. Estilização talvez.
Encobrindo capas de livros diversos com papel florido. Não haver indicio do conteúdo. Prateleiraestante.
Se vazada em baixo, deixar pender uma flor do meio dos livros.
Os antigos e grandes livros de atlas.
Os que são grossos e temáticos.
Ter um aberto, com a dobradura que fiz recentemente, talvez na própria página do livro.
Duas páginas.
Sentada, os pés descalços, formando a parte oca pela sola dos pés. Cavidade com flores.
Ter uma mão junto. A outra é a que fotografa.


29.10.07

A proximidade com o fim das páginas deste caderno me fez diminuir a escrita. De uma forma simbólica, representa o fim de um processo.
Posso considerar apenas como metade do caminho. Mas o processo como um todo, que deve ter sido sempre ininterrupto, não há porque terminar. Continuum.
Coloquei sempre a questão do calor humano neste novo momento meu, em que o frio além da janela domina, mas que não permaneça em mim.
Ainda estranho minha própria voz e as arestas das palavras.
Em diversos momentos percebo-me aqui e agradeço. Independente do que estar significa ou o que possa ter de desdobramento, tenho vivido momentos especiais. De encontro comigo. Vendo repetições e novidades.
Resolvi experimentar um pouco mais. Mais dos sabores da cidade. Frutas, legumes, carnes, queijos e vinhos.
Tenho tentado fazer o que a principio não me agrada tanto, o que não é a primeira opção, alterar o previsível do meu próprio olhar.
Mas mantenho a poética.
Que as fotos existam enquanto foto em si.
Mas ter as minhas próprias fotos como suporte para novas inter-relações, como uma base comum. Usar os céus de Milão diversas vezes, ou os retratos de Ali e Angela. Tiragem ilimitada, das bases.O único contido no que se manifesta ao refazer. Nas colagens e costuragens. As intervenções com o orgânico que há no humano.
Manual x industrial
Natural x artificial
Orgânico x inorgânicogeométrico.
Horizontes verticais ou galhos das flores.
Que as flores estejam abertas quando eu acordar e que por elas eu me guie.

28.10.07

De onde menos se espera nascem coisas. Quando menos se espera.
Quando o tempo volta devagar, mas como um capítulo novo. E se reconhece em passagens diversas, em passos dados, em caminhos escolhidos não por acaso.
Hoje cortei meu cabelo, da mesma forma que fazia quando adolescente. Pôr todo o cabelo para frente e passar a tesoura. Não sei o que há de simbólico nisso, mas há uma ponte com minha força e meu passado.
O movimento das árvores e das nuvens, a troca das cores, a alternância de sons. Os avessos que não são tão contrários. A água salgada do mar que reforça minhas energias e onde me encontro. O vôo dos pássaros. Os símbolos diversos desde o início do mundo.


21.10.07

Ontem fui perfurar uma foto, feita no Guarujá, ao longo da linha do horizonte. Perfurei com um alfinete de cabeça colorida, e deixei que ele ficasse. Somei diversos outros, alternando as cores sem lógica, só o espaçamento é igual, meio centímetro. Em outra foto fiz tracejamento com a linha, sempre vermelha, e depois voltei completando os espaços em aberto. Prendi no fio uma flor adesiva pequena.
Hoje, em uma das paisagens de nuvens eu costurei recortes de flores de papel fotográfico, linha vermelha.
COSTURAGEM. Botões de flores.


20.10.07

Ontem visitei a FIAC Paris, feira que reúne galerias de vários países, com produção contemporânea. No Cour Carré do Louvre, jardins des Tuileries e Grand Palais. 25 euros para entrar. Valeu a pena, muitos trabalhos instigantes.
Aliás me dei conta de que preciso de um certo estranhamento para apreciar um trabalho, como os que há em Magritte.
Paisagens com sobras de recortes a laser de tecido. Ter um lado reto nesses recortes. Pôr em caixas de acrílico. Ter estampa de elementos referentes a natureza. Ter fotos.
Fazer paisagens com imagens de revista. Papel de embrulho. Relacionar com a primeira colagem com fio suspenso que fiz (da cabeça de mulher)
Criar uma linha do horizonte para os céus de nuvens.
Uma linha, pintada. Uma linha, bordada.
Deixar que pendam elementos dessa linha do horizonte. Ou ponto de fuga. Perfurar com agulha e depois passar o fio. Tracejar.

19.10.07

Na FIAC
O lugar que eu quero que exista para além dos meus olhos, passa além da habitação humana. Onde só se chegue com a mente.
O quê um jardim pode recuperar? Um jardim artificial entre tantas artificialidades? O que há de natural?
Interferir no vidro que protegerá a fotografia. Com colagem, desenho. Mais uma camada.


18.10.07


Existe um estranhamento no meu estar em Paris. Me coloco sozinha, me fecho, vejo a cidade assim e faço igual.
Sempre fui assim e agora tem se intensificado? Talvez há um longo tempo eu tenha me cercado de pessoas, mas no meu íntimo tenha estado sempre sozinha.
Que sentido faz então os jardins coletivos diante dessa constatação?
HORIZONTE. É SÓ UMA LINHA.
CONEXÃO PESSOAL. POR UM FIO.
A VIDA POR UM FIO.
A SANIDADE POR UM FIO.
VOU USAR DOIS FIOS NO QUE EU FIZER. ASSIM PODE-SE FAZER MAIS FORTE.
Grelha. Não havia uma estrutura semelhante nas estruturas renascentistas? Ou classicismo. O geométrico que calculava as distâncias de forma a se criar o harmônico.
Será que quando eu estava no Brasil me imaginava fazendo mais ou menos do que fiz até agora?
A eterna frase: o caminho é mais importante do que o ponto final.
Temos um ponto de partida, uma idéia de onde queremos chegar, mas detalhe algum da jornada nos é dado conhecer.
Pessoas, lugares, dores, amores, encontros, deságües, olhares, desejos, sonhos e realizações.
Hoje já não tenho mais vozes dos que conheço comigo. Já não tenho sua tridimensionalidade. Sei que eles não estão ao alcance da mão se eu precisar que venham até mim.

16.10.07

Todos os que viajam têm um lugar para chamar de casa. Muitos vão deixando partes de seu coração por onde passam. Às vezes fica a maior parte dele em um único lugar, daí a vontade de voltar o quanto antes. Trouxe comigo um pôr-do-sol, uma paisagem para se ver estando sentada, para alcançar um lugar maior.
Está aqui dentro de mim, em meu coração por hora inteiro.
Ontem fiquei em casa. Desfiz malas, coloquei fotos no computador, olhei-as e reparei como essa semana foi especial. Tão simples, suave, boa de se lembrar.
Sereníssima era o nome de Veneza. Sou eu hoje. Sereníssima com o desejo de querer saber o que fazer enquanto instalações.
Quando damos nosso melhor?
Talvez quando achamos que não há ninguém olhando, ou quando pensamos que as críticas serão indeléveis.
Tento rever meu projeto, mas embora ele se mantenha coerente e tenha me trazido até aqui, já não sei vê-lo junto ao novo que passei a realizar. Fico então transitando entre o que pensei em fazer e o que ainda desejo fazer. E não faço.


14.10.07

Por hora, Palazzo Pitti e giardino di Boboli. Entrei sem pagar, e adorei além disso.
Agora na Ufizzi, prováveis três horas de espera. Uma já se passou. Alterno com uma senhora espanhola de São Sebastião o sentar-se ao banco.
O rio é o Arno. A ponte Vecchia ainda tem construções sobre ela, como no filme Perfume - História de um assassino. As pontes eram assim. A Pont Neuf em Paris foi a primeira a não ter, não sei se em Paris ou em todos os lugares.
A expo sobre os jardins, da Babilônia a Roma foi bem interessante, mostrando o percurso dos projetos, a origem.
Jardim de filósofos, de poetas, para reflexões e inspirações.
A noite sigo para Paris. Bercy. Pela manhã estou em casa.
Há um mês exato estava a caminho de Kassel. Quanto tempo entre a idéia que tinha e a que agora tenho de mim?
Não me imaginava assim andante quando no Brasil. Talvez me visse mais frágil, ou me negasse possibilidades de um mundo novo.
Agora são tantas portas abertas que me deixo viajar. E viver.
O sol parece às vezes nascer e se pôr mais de uma vez ao dia. Dias correm num único percurso. A vida, em uma semana, se transforma. Um mês, e a vida se transforma. E assim, sucessivamente, não importa a medida usada. Sem querer desmerecer o Renascentismo, sempre há o que altere o olhar, mas passo rápido por essas alas.
Hoje vi pinturas outrora só em livros.
Davi de Michelangelo.
O nascimento de Vênus e Primavera de Botticelli.
A medusa de Caravaggio.
Sim, são incríveis. Mais incrível ter essa tridimensionalidade, o espaço que lhes pertence e que agora conheço.
Alguns Da Vinci na galeria Uffizi. Outros não verdadeiros mas acompanhando objetos. Inteligência em pessoa. Adoro sua luz e sombra. Talvez seja atemporal.
Das cidades. Gosto mais das pequenas, tranqüilas. Mesmo quando são grandes, busco seus espaços menos turbulentos.
Com essas escolhas venho me conhecendo.
Nem sei se de fato algo vem se transformando, talvez apenas mesmo a percepção sobre mim que esteja sendo mais visível.
Fico tranqüila numa fila de três horas para ver uma única escultura. Ao ver que ela não pertence ao lugar, que está em outro com uma hora de fila, tudo bem: sigo para lá. Foram quase quatro horas hoje só de filas. Era um tempo que eu tinha. E queria dar. Vejo o que quero quando dá. Algo assim.


13.10.07

De Veneza a Verona
A vontade é de espremer a cidade para que até a última gota ela possa estar com você. Em se tratando de Veneza, com tanta água em volta, seriam muitas as gotas para se ter consigo. Quatro dias serenos, de momentos divertidos e agradáveis, sorrisos e risos, como se a cidade estivesse o tempo todo a sua espera.
Beber água de bica. Spritz. Andar por pontes, subir e descer. Dar num beco sem saída, ou em um que só se segue por barco. Adentrar as diversas construções de portas abertas pela Biennale. Não visitei todos os lugares ou todas as obras, mas o que há agora em mim é bem representativo.
Quatro dias, quatro noites, com o balanço da água no corpo.
Fui criança diversas vezes. Como quando tirei o sapato para molhar os pés nas águas do Lido, qual dos mares?
Quando corri para sair na foto neste mesmo mar. Catei conchinhas. Me lambuzei de sorvete. Brinquei com cães e gatos.
Senti o frio da manhã e da noite em todo o corpo só para ir vendo a paisagem do vaporetto; o vento foi sempre imperdoável. E o pôr-do-sol de ontem? Sem palavras, laranja no céu e na água.
Divagação. O balanço da água no corpo dá a sensação de andar nas nuvens. Não que alguém já o tenha feito, apenas se imagina que seja algo que te deixa leve. O céu se reflete no mar. Há quem brinque com o fato de pássaros e peixes às vezes viverem juntos ou não haver diferença do lugar onde estão. Quando chove sai água das nuvens, que encontram o mar. Talvez céu e mar sejam iguais. Deus deve ter pensado quem ficaria em cima e embaixo, e escolhido o mar embaixo apenas para não desaguar o tempo todo sobre as nuvens: elas viveriam encharcadas.
Mas é possível sentir-se andando nas nuvens com esse balanço do mar.
Agora, sigo a Verona.
As memórias do dia. As memórias do depois. Anotar daqui a um tempo o que ficou das andanças. Talvez no próximo caderno ou em um separado.
Verona.
A cidade é uma graça. Como Rouen, pequena. Conheci um jardim parque e a colossal arena. Dia como perfeito, céu azul e ameno. Aguardo o almoço, lasagna. Uma comida de verdade, não lanchinho.
Arena, areia, vidro.
O que é o tempo que se vive. É sempre esta a pergunta. Foram seis horas em Verona, mas a impressão é de vários dias tantas foram as coisas vistas. Os passos dados. Os degraus subidos. A cidade tem outra escala. É possível ver muito e ver que o tempo não passou. Retomo Rouen: a imagem que eu tinha de Verona era algo mais como a que eu encontrei lá, mais medieval.
É surpreendente sempre viajar e descobrir.
Verona a Firenze.
Subida ao Castel San Pietro
Passagem pela ponte Piedra, a mais bela, larga, de água límpida corrente. O rio, Ádige.
O artista contemporâneo que interagiu no Castelvecchio, Herbert Hamak.
Verona porta nuova. Que Firenze me receba bem, com um bom albergue della gioventú.
Paisagem ao pôr-do-sol pela janela do trem. 18h. Duas e trinta e três de viagem, rumo a Florença, cidade que abriga o David de Michelangelo.
Móbile de Calder com cacos diversos. Vidro, pedra, cerâmica. Peggy Guggenheim. Afrescos aos pedaços, falhos, contemporâneo. Castelvecchio.
Não importa o tempo que as coisas tenham, podem ser de hoje. Te trazem para o seu próprio dia. Cinco dias ou cinco séculos, apenas um piscar de olhos separando. Ou juntando.
Para ver em Firenze:
Galeria Uffizi, Palazzo Pitti,
Giardino di Boboli,
Duomo.


12.10.07


Flore di passiflora.
Nella tradizione Il fiore si riferisce alla Passione di Gesú. Nella parte centrale del fiore sono visibili tre pistolli: i tre chiodi dela crocifissione; cinque stami:le cinque praghe, e uma corolla di filamenti: La corona di spine.
I dieci petali Bianchi indicano Le dicei paroli di vita (i 10 commandamenti)
Texto de um livreto religioso na igreja de São Francisco em Veneza. Impressionante. Ainda mais por eu ter ligado a flor de passiflora à mandala de Notre Dame.

11.10.07

Fui ao Lido de Veneza. Uma surpresa. Linda, rica, casas e praia. Areia, pedras, conchinhas, comigo e lá.
Recolhi algumas, vou juntar à pedra branca do primeiro dia.
O Lido foi entrega, alegria, eu comigo.
Tirei o tênis, entrei só com os pés, água fria e perfeita. Sol e malha de frio.
Areia e auto-retrato de braços abertos. Fotos para lembrar.
Busquei mapear a cidade, encontrei alguns trabalhos.
Amanhã tem mais, é o quarto dia e último. Depois devo seguir a Verona.
Malha e jaqueta de inverno comprada.
Valpolicella e salaminho.
Pizza e pasta.
Perfeito.
Muitos céus, alguns laranja.
Ontem subi no Campanillo, sete da noite e quase congelei vendo a cidade se acender. Muitas fotos de contorno de pessoas.
As pessoas são divertidas, mesmo quando mal-humoradas. Talvez eu lembre duplamente do spritz por causa do tiozinho que me atendeu. Talvez eu lembre do meu brinco também, pelo contrário da francesa, simpaticíssima.
Talvez o corpo doa tanto em momentos assim por estar se expandindo. O coração não cabe em si na caixa toráxica que o envolve. Por isso dói. Faz sentido. As viagens nos fazem ir além, esticar-nos e sermos malabaristas. Equilibrar-nos. Em nós mesmos. Ver a linha do horizonte horizontal e não em variantes ângulos.
Após algumas andanças de vaporetto, até para tomar banho se sente a ondulação no corpo. Pra lá, pra cá.






10.10.07

ART IS THE DEMONSTRATION OF THE ORDINARY IS EXTRAORDINARY. Amedee Ozenfant
O cansaço é sempre de tudo. De se pôr atenta, do frio, do comer pouco, do andar. A felicidade é sempre de tudo. Por sentir o frio para ver melhor a paisagem do vaporetto, por entrar numa fábrica em Murano e paquerar vendo um vidro ser feito, por observar cada detalhe, por fotografar situações novas, por ver o rosa das luzes públicas, por brincar com um cachorro, experimentar algo típico, falar italiano mais que inglês. Por achar que o vaporetto já não é mais novidade em menos de 24 horas.
A Bienal de Veneza tem valido muito a pena. Trabalhos consistentes, reflexivos. Agora vou mapear a cidade por conta dos trabalhos que estão distribuídos por ela. Já vi alguns, a alteração do espaço expositivo altera o sensorial.



08.10.07

APENAS O NECESSÁRIO. Série.

07.10.07

Ontem foi a Nuit Blanche. Doze horas de apresentações artísticas ao longo da linha 14, que vai de Batignoles a Olympiades. Fui a alguns pontos, a começar pelo jardins des Tuileries. O trabalho consistia em grandes estruturas circulares de metal vazadas, com espaços para vasos de cerâmica com fogo aceso dentro. Muitos vasos em cada estrutura. Diversas outras estruturas menores em outros formatos mas sempre com fogo aceso. Noites ardentes ou algo assim o título. Havia um candelabro suspenso, que de certo ponto via-se no centro da roda-gigante. Um equilibrista de metal se sustentava sobre uma corda num ir e vir carregando uma estrutura acesa. Lindo tudo. Me fez pensar nos sonhos maiores que temos e que podem se realizar. Sonhar não custa nada, buscar realizar é o que faz a diferença.
Visitei o Louvre. Entrei às dez da noite, fui à ala da arte egípcia, depois arte oriental, mas fiquei apenas por uma hora. Mesmo gratuito, precisava de arte contemporânea.
Vi apenas mais alguns cantos. A idéia em si vale muito a pena participar, sentir-se segura em transitar com as pessoas noite adentro. Essa parte para mim é uma obra em si.
Vi uma obra em frente à Igreja de Les Halles, falando do culto ao corpo.
Telefones públicos revisitados.
Lótus que se movimentam na Saint Louis. Em frente ao Hotel de Ville exibiu-se jogo das quartas de final de rugby. Ao término, um mar interminável de garrafas, de vinho e de cerveja. O lugar ainda mais aceso que em Tuileries, pela comemoração dos que lá foram. Imagino que a França tenha ganhado a partida. Hoje o Louvre também é gratuito, primeiro domingo do mês. Mas me deixo estar novamente às margens do Seine com Saramago.


06.10.07

Ontem tentei ver o Galliera, mas revi o Musée d’Art Moderne, junto ao Palais Tokyo. Com boa parte em manutenção tive um trecho menor para me ater, por isso talvez assisti a depoimentos de artistas do acervo. Anotei observações de Messager e Boltanski.
Todas as idéias iniciais, preconcebidas, foram se alterando. Pensei em ir a museus só quando se fizesse frio e que antes disso faria minhas instalações. Nada. A arte contemporânea que se tem aqui é fundamental para os sentidos. E hoje, sábado ensolarado às margens do Seine, meu recanto preferido, percebo a identidade do meu olhar e do meu querer fazer. As informações que vejo apenas acrescentam, mas não exclui. As modificações são apenas re-construtivas, evolutivas. Sinto-me dando novos passos mas não mudando de caminho.
Aqui tenho me observado respeitando mais o tempo dos vídeos. Assisti alguns inteiros, outros por grande parte.
Tenho tentado não apressar meu andar para aproveitar o momento em si.
Sigo às vezes sem internet, às vezes sem bateria da câmera, às vezes quero apenas me ter em casa, outras ir a três lugares.
Mas agora estando de fato onde estou.
Quantas vezes já fui e quantas ainda serei?
Meu desejo no momento é apenas o de sossegar com relação ao que deixei no Brasil.
Apenas ser e viver o agora daqui. Sempre.
Hoje é noite branca. Nuit Blanche. Diversas apresentações artísticas em alguns bairros próximos a mim. Até as cinco da manhã.
Vendo uma instalação do Boltanski, fiz uma foto movimentando a maquina e me perguntei:
O que sobra da arte que vemos?
E daí veio:
O que sobra das pessoas que vemos?
Das flores.
Dos lugares.
Fica como que traços, cores, sensações. Nada definido, tudo em suspensão. Pensamento semelhante a um tido no Luxembourg.
Quanto tempo é necessário para que as pessoas sejam apenas cores.
Veneza na terça. Verona. Florença.
Mais uma semana-mês, benvinda em minha vida.
Uma instalação que seja feita em tinta a óleo, e que se apresente fresca no primeiro dia. Assim tê-la como viva até estar seca.
Como um jardim e o tempo de vida das flores.
Não que a tinta vá morrer, mas ao término da expo a instalação deixa de existir. É o seu tempo.
Tão perto d’água pode-se molhar. Do fogo, se queimar. Em uma semana, deu-se os dois.
Faz sol aos fins de semana. São Pedro deve passá-los aqui.
Lendo “Ensaio sobre a cegueira”, Saramago.
Hoje é a segunda vez que me pedem para fazer fotos sem que tenham câmera. Querem que eu use a minha. Hoje talvez eu tivesse feito, houvesse bateria. Ambas descarregadas.


05.10.07

No Centre Pompidou
Fazer com que as flores de tecido – recortes, tenham uma forma arredondada firme. Envolver com cera. Moldar. Entretelar. Bolas de vidro de Montmartre. Ou aquário. Servir só para moldar, depois retirar. Ficar vazado, oco.
Annette Messager fala de sua multiplicidade, de não querer fazer apenas uma forma reconhecível de trabalho. Assim, se envolve com fotos, desenho, bordados.
Que se reconstrua a própria estória a partir de seus trabalhos.
Uma flor quicando como uma bola. Imagem estática em PB. Flor vermelha. Vídeo. Vertical.
Imagem impressa sobre tela. Bordar o desenho. As imagens com estrutura geométrica evidente.
O QUE É ÚNICO E O QUE É FRÁGIL (DA VIDA). Christian Boltanski
THERE IS NO REWIND BUTTON FOR LIFE. Nam Jum Paik

03.10.07

Dois meses em Paris.
Significa tanta coisa que prefiro apenas sentir sem pôr palavras no papel.
Ontem, mesmo achando que um lápis era necessário, me pus a desenhar. Desenhos com as idéias das flores de cetim.
Passei o dia fazendo isso e o resultado foi surpreendente. Cada um com sua identidade.
Em alguns usei aquarela. O papel de base é para isso. Talvez passem a ser pinturas, mas o gesto de cada eu não tenho como repetir, nem quero. São orgânicos embora matemáticos.
Fiz também um desenho com a frase: toalhas de mesa com crochê fingem ser girassóis para com seus fios vermelhos serem plantadas em um vaso no meio da sala.
À noite pensei quantas outras coisas podiam se fingir girassóis.
Este também foi aquarelado.
As formas acima partiram das minhas flores e são como que jardins. Mas podem também ser quaisquer outras coisas. Outras leituras.
Tive vontade de fazer esses desenhos sobre fotos. Talvez as que eu trouxe.
O que é isso de ser viajante. De se desviar de maus hábitos para adquirir novos. De se sentir ou não saudades. Mais fácil sentir falta. A readaptação que te faz olhar para tudo como sendo novo. E que depois passa a fazer parte de você e da sua vida.
Conviver com os pêlos e o pó.
Achar que está frio. Querer sorvete. Não saber de TV, jornal, revista.
Lançar-se aos desenhos e amarrações. Se preservar de pessoas. Porque elas partem? O que é isso de ser viajante e achar que nunca vai se cansar de andar pelas ruas na eterna descoberta e de repente... ficar em casa é uma excelente opção. Daí um dia de novo sai e se fascina. E fica nesse vai e vem, como uma dança de tudo o que pode ver e o que ficará para uma próxima vez.
Os hábitos, as expressões, os gestos dos que são do lugar que se tenta fazer parte.
A cidade te recebe bem, os cidadãos nem tanto. Sequer quando se está consumindo.
Estar comigo, sei que é a grande viagem.
Com ponto de partida e de chegada.
Eleanor Antin, 100 boots, 1971-73. As botas que caminham pelos lugares. Senso de humor que me agrada em uma obra de arte. Acervo do Pompidou, cartões postais.


02.10.07

Do Buttes-Chaumont segui para conhecer o Moulin Rouge, pelo menos a fachada dele, com as pás vermelhas originais. Depois perambulei pelo bairro, que fica em uma colina. Subidas. A pé. E foi assim... vi o Moulin de La Galette, o Lapin Agile, o último vinhedo remanescente de Paris, diversos jardins, uma loja que vende produtos de época com estoque. Havia brinquedos diversos, enfeites, carretéis, de uma época que já foi viva e que hoje são lembranças. Tanta coisa. Me apaixonei por um par de brincos de pérola numa caixinha redonda. Talvez eu volte lá para buscar. Fica ao lado do cemitério de Montmartre, para que eu não me esqueça.
Há dois meses eu embarcava. 1\3 da viagem. Garganta irritada, corpo confuso. Uma faxina para limpar as idéias. Da janela, a primeira neblina, a primeira manhã enevoada. Mas com temperatura agradável. Podia ser assim sempre.
No Pompidou ontem. Observei o termo folhas mortas. Folhas mortas em uma natureza morta.
Vi diversos trabalhos de Man Ray. Ele era múltiplo. Conhecido por suas fotos, sem dúvida ele se dedicou mais a isso, mas nem por isso ele deixou de se expressar um objetos, esculturas. Dialogar com seu tempo e suas necessidades.
Uma parte de mim ainda pensa que é preciso ter foco, seguir uma linha e desenvolver, bem. Mas no meu íntimo aceito todas as multiplicidades que venho fazendo ou pensando.
Acho que preciso de um lápis.
- cavar um buraco, encher de flores.
-uma cama, com lençol e travesseiros brancos. Um fundo infinito branco. Flores dispostas na cama. Eu deitada ou não.
“as flores descansam para se manterem belas”
“as flores descansam para terem idéias”
“as flores descansam para sonharem”

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