terça-feira

dezembro de 2007, quinto mês

28.12.07

Ando pelas ruas sem me saber bem. Talvez momento de transição. Me dei conta de quão de passagem estou aqui. Seis meses é um tempo e tanto. Mas é pouco também. E sendo assim delimitado sei que essa não é minha casa, essas não são minhas coisas, minha decoração, a extensão de mim.
No MAM vi uma série chamada 100 anos, um conjunto de 100 pessoas, 100 fotos indo de 8 meses de vida a 100 anos. Muito interessante, adorei a proposta. No Rodin vi os clássicos “Pensador”, “O Beijo”, “A porta do inferno”. Este último é demais ao vivo, pela tridimensionalidade e junção. Coisas que só vendo. E vi.


23.12.07

Buracos. Parecem existir vários quando olho pra trás, para o tempo dessa residência. Talvez ser dona do próprio reino gere isso. Decidir sempre tudo por conta. Parte de uma cobrança exagerada de mim e sobre os outros. Rigidez. Ainda assim, é o que é, é o que foi. O não fazer mais as instalações devido ao frio me inquieta, é como se só ver exposições e todo o mais não bastasse. Não me disponho a olhar muito para o que já foi feito, e que está no computador. Não me organizo com essas partes de mim.

21.12.07

Quarta fui a Aubervilliers. Em um apê da Avenue de la Republique, de um grande prédio (16 andares) foi montada uma encenação, misto de teatro e performance. Genial, pela iniciativa e por entrar num lugar particular. Só assim para conhecê-lo. Hoje fui a Paris 8, com uma imensa biblioteca.
Fico indo e vindo, experimentando e sentindo. Às vezes sinto que já devia ser 2008 mas não desejo apressar o tempo. Só não estou sabendo deixar os sentidos livres para receber todos os dias de agora. Estranho. Sinto um peso nos dias, pelo casaco, pelo vento frio que entra no corpo, pela pouca água tomada com calcário. Pelas cobertas com malha de frio, pelos banhos quentes, pelas horas na cama ou sentada ou andando. Por não conseguir me pôr na rua para interagir, por me cobrar isso e por achar que me desejo fotógrafa. Por saber que amigos estão vindo, um após o outro. Como as pessoas viajam! E me fazem pensar ser fácil...
É tão bom realizar sonhos mas quando colocados em uma lista parecem obrigação. Daí vou alterando o que de fato quero com o que faço enfim.
O que influencia naquilo que somos? Ter tido um celular teria alterado minha permanência aqui? O quê um passo pra direita ou esquerda faz pela nossa vida. O que não tem resposta. O inesperado. O invisível. A vida em si. O retorno.



18.12.07

Ontem fui a Antony, num centro de arte contemporânea chamado Beaudoin. Fotos, perfomance, artistas solícitos, pessoas dispostas a se doarem através de boas e válidas palavras. O lugar também parece bonito, a região em volta.
O frio tem congelado a água na rua, as poças desavisadas. Fico feliz mas o cansaço corporal está sempre presente. Voltando ao evento de ontem, ao conversar com o Sobu (que foi quem convidou à Gabi e a mim) ele falou de questões simples de forma de ver a natureza: ela está em tudo, no ar que respiramos, num grão de pólen. Assim, não importa se há ou não áreas verdes, a natureza se mantém presente, indissociável dos lugares. Poético.


16.12.07

Por mais que nas últimas semanas meus pensamentos tenham se voltado à idéia de aqui ficar, em Paris ou na Europa, hoje tive vontade de voltar. Não sei se é algo inevitável. Mas de qualquer forma quero saber a identidade que agora tenho, entre um antes e um depois. Ambos sejam talvez pouco sabidos. De toda maneira São Paulo é uma grande cidade, desejada pela maior parte do país – quantos para ali não migram? Ainda que no contexto de arte mundial seja um tanto quanto apagada, é também um lugar de oportunidades. Tem um grande aeroporto para me levar onde quer que eu queira. As praias também são próximas. Deslocamentos voluntários. Tive o privilégio de morar um tempo mais longo em Paris, talvez o tempo mais bem aproveitado até hoje. E também pude conhecer belos lugares, belas cidades, belos países. Conhecer lugares assim é o meu motivo maior. Não importa então onde eu esteja, se deslocar é sempre possível. Precisa dinheiro? Que seja. Mesmo que sinta nesse momento não possuir muita coisa, nem carro ou casa, e sinta tudo em processo de alteração.


13.12.07

A idéia no dia 11 era continuar falando das exposições que visitei, mas fui assistir ao concerto da Cité e perdi o fio da meada. Voltando... Courbet e Carriés são excepcionais. Carriés foi uma surpresa total, nunca havia ouvido falar e ele desenvolveu uma técnica de molde com cera. Fico pensando se o fato de ter trabalhado com imagens religiosas não foi a influência maior para o uso desse material. Da mesma forma que me pus a usar vela ao ir às igrejas daqui. No mais, as peças são modeladas de uma forma tão real que parecia haver alguém dentro dos bustos. Algumas imagens são bizarras, grotescas. Uma porta monumental, inacabada, é incrível na intensidade das peças em carrés. E ele ainda fazia potes! Tô aqui falando de Courbet e Carriés e esses foram os que vi ontem, 12/12. Dia 11 teve Bourdelle, Henry Moore. Incríveis de ver ao vivo, a dimensão muda toda a visão da obra, algo que uma foto não demonstra.
Courbet foi dos primeiros a fazer diversos auto-retratos. Sempre sinto faltarem adjetivos para essas vivências. É impressionante o conjunto da obra, a quantidade de trabalhos executados, cada uma com sua maestria. As paisagens de Courbet são impressionantes, assim como os nus. Como é incrível alguém ousar ir além do seu tempo. Deve ser um mergulho tão grande dentro daquilo que se faz incessantemente, que perde a noção dos limites normalmente impostos pelo conceito de realidade, que invade o mundo das idéias. E provavelmente é esse ir além, esse não estar apenas por estar que produz o que consideramos uma obra de arte. É esse ir além que permite considerar um artista e fazê-lo eterno.
Cartier-Bresson. Helen Levitt. Robert Adams. Gustave Courbet. Carriés. Louvre. Kiefer. Giacometti. Em três dias foram todas essas vivências. Há algo que a partir disso os liga a mim. Algo que vejo como concernente a cada um deles e que considero como parte do meu olhar, minha forma de tê-los comigo a partir da constatação da importância das suas obras. Outra hora pretendo pôr em palavras. Por hora é só a certeza de que algo de tudo isso ficou. Talvez formas, composições, cores, formato, olhar, enquadramento, assunto. Os espaços dos museus também têm muito a dizer. Petit Palais, Grand Palais, Musée Bourdelle, salas do Louvre com tetos divinos.
Falando em divino fui ontem à missa na Notre Dame em homenagem a Guadalupe. Cantores a caráter no palco, missa em espanhol, muitos mexicanos. Emocionante. Ao terminar a missa, os músicos recomeçaram a cantar e tocar, agora na capela e não mais no altar. Começaram a apagar as luzes da catedral e fomos saindo. Do lado de fora a música e a animação continuram por quase uma hora, apesar do frio – cerca de 2 graus. Fotografei a primeira Leica de Cartier-Bresson e enviei ao Fernando. Ele respondeu falando da minha foto “Ascensão”, associando a um fotógrafo da Magnum, Werner Bishof. Vendo as fotos do portfólio no site da agência, senti um grande prazer em pensar que algumas daquelas fotos eu gostaria de ter feito, ou talvez tivesse buscado uma forma semelhante de representação se fosse eu no lugar. Com isso me dei conta de certa forma que SOU FOTÓGRAFA. Que embora eu tenha pensado não ter sido uma ao longo dos meses, foi o que mais fiz. Através de uma busca por instalações e artes, me encontrei fotógrafa. Como disse Gabi, todo o processo foi refinando meu olhar, para gerar formas e momentos em foto. Faz sentido. Robert Frank escreveu sobre o trabalho de Balthasar Burkhard, fotógrafo cujo trabalho intercalou seções do Courbet, e como qual foi associado pela presença da paisagem, o seguinte: “La verité n’existe que dans sa relation à l’art.” Em outro trecho, foi escrito que o fotógrafo não buscava a dimensão de suas impressões apenas para intimidar mas por ser a forma como ele entendia aquilo que ele via e que era seu objeto maior de atenção. Me vejo sempre admirada ao ver fotos de pequena dimensão, que atraem a aproximação do espectador. Proporções diversas, apresentação em conjunto. Maturação.
Dia 11, ao folhear um catálogo de arte pelas cidades, vi o trabalho de um artista chamado KNITTA, que envolve luminárias/postes e árvores por Paris. A principio o mesmo diálogo com o que faço. De certa forma fiquei decepcionada em ver alguém executando algo que eu considerava meu. Mas dá pra explorar o lado positivo. O fazer é diferente, talvez mesmo o objetivo.Tem um instalado bem aqui na estação Saint Paul. Vou pesquisar, buscar contato. Mas perdi um pouco o ensejo de fazer outras instalações, não só pelo frio. Pelo menos agora já não chove...
Gosto de observar os diversos formatos de obras. Ainda mais quando desenhos de projetos de grandes quadros. Se apresentam menos rígidas. Não importa de que época sejam, sinto-os contemporâneos a mim.
!Kiefer no Louvre! Que trabalhos lindos, como são perfeitos para os espaços que ocupam. Girassóis sem pétalas. Livros. Ouro e chumbo. Será que eu preciso dizer ou tentar dizer algo? Diz por si só.
O que nos faz transcorrer o olhar? O que desperta atenção, emoção. Que muda nosso curso, altera a percepção. O que sempre esteve diante mas só num momento nos faz perceber, dimensionar, de fato ver. O que é a visão senão algo ligado a um conhecimento prévio, ainda que subconsciente. Para entender o que se vê é preciso ter algum tipo de conhecimento, mas ainda assim isso só permite ver com interpretação pessoal. Dá para ver sem ser pessoal? Nem que seja por um instante?
GIACOMETTI. KIEFER. CARRIÉS. COURBET. ROBERT ADAMS. WERNER BISHOF. CARTIER-BRESSON.
Olho pelas janelas. Há algo do mundo, através desse recorte, que me atrai. Algo que me parece íntimo. Mesmo não olhando para dentro de uma casa, mas para o que há além, para fora. Um ângulo que só se tem daquele espaço, que não se tem a todo momento. O ângulo que se tem de uma janela do segundo andar do Louvre só estando nela.
Será que existe resposta para perguntas como: o que desperta o desejo por um fazer específico? Como reconhecemos nossa aptidão e nos dirigimos a ela, nos envolvemos e passamos a ser algo indissociável?
Há a possibilidade de fazer metros de tecido sob encomenda, a partir de uma estampa. Flores gigantes seria uma opção. A partir de fotos de flores minhas. Pensar uma instalação usando fios de cobre, folhas de vidro ou cerâmica.

11.12.07

Incrível como em cada dia penso e vivencio tantas coisas que o dia de ontem parece distante. Hoje me dispus a visitar três museus, próximos, em uma região ainda desconhecida: Montparnasse. Fundação Henri-Cartier Bresson, expo de Helen Levitt; lá estava a primeira Leica que o Bresson usou. É um prazer pessoal momentos assim. Musée Bourdelle, em homenagem ao artista Antoine Bourdelle, com imensas esculturas, em gesso e cobre, além da mostra de Henry Moore. Fundação Cartier pour l’Art Contemporaine. Mostra de um artista coreano e fotos de Robert Adams.


10.12.07

Esfacelamentos, quebras, repetições. O que importa de uma paisagem? O que importa de alguém? Compartimentar. Cada imagem tem como moldura o momento em volta. Os passos que se deu para chegar ali.
Toda foto é um recorte. Ao enquadrar recortamos. E colamos através da sensibilização fotográfica – filme ou pixels.
EXPERIÊNCIAS. EXPERIMENTAÇÕES. FLUIR. VAZÕES.
O corpo-paisagem. Retrato e paisagem como algo único. UNO.
Escurece rápido agora. Sinto mais frio no início da tarde que à noite. O Seine está alto, amarronzado, uma aparência totalmente diversa do que vi antes.
O que verei depois? Darei mais conta de mim?
Não considero ainda hora de fazer balanço ou contar os dias.
Quero aproveitar todos os dias, deixar-me ser.
AS FLORES. AS LUZES/AS VELAS. AS PRECES.
A cidade me envolve com suas possibilidades. Infinitas. Tanta coisa que me atordoa. Passei pela seção de livros da FNAC, em busca do lançamento da Sabine Weiss. Quis sair correndo, sem escolher nada. Tantos livros maravilhosos, tanta gente dando o melhor de si no processo de criação que me sinto um tanto insignificante. Questiono-me. Acredito na minha expressão. Acredito no meu melhor. É tão fácil se perder. Equilíbrio, vamos lá.
Fiz e pensei arte o tempo todo.
Só não segui projeto e de certa forma me cobro isso. Preciso dar-me por satisfeita pelo todo que desenvolvi.
O frio de certa forma me pegou de surpresa. Pra um trabalho ao ar livre, a mudança climática de uma hora para outra me deixou sem ação quando ainda era possível. O frio nem era tanto, era mais novo. Bom respeitar-se dentro de cada limite, mesmo sabendo que é possível em outro momento ir além. Mas o outro momento não é o agora. Agora lanço o desafio de aproveitar. Pois no meu íntimo acredito de fato que a experiência da arte é a experiência da vida. A frase não é minha, mas a crença é.
Cheiro de terebintina pelo corredor.
Cabelos brancos cada vez mais freqüentes.
Luvas, um lado só, perdidas pelas ruas. Pés de sapato também.
As sensações e as impressões ao acaso.
O cheiro das pessoas. As expressões.
Somos todos iguais.
Um dia me dei conta, assim como quem não quer nada, que o tempo passa, que você se transforma com o que há a sua volta, que é fácil e frutífero dizer sim, às pessoas e à vida. Suavemente fazemos escolhas. Somos parte de um universo que normalmente sabe de sua missão, mas que ainda assim se dispõe a algo novo quando vem a ordem de mudança. Viver acreditando que há algo ainda melhor no porvir é ainda mais gratificante quando se permite considerar o hoje como tudo o que se tem. E hoje é o melhor, hoje é o mais lindo.
Tento enxergar o que tem adiante, mesmo sabendo da inutilidade disso. Algumas coisas queremos ad infinitum; outras, vejamos, uma vez só já basta.
“Um dia acreditei que seis meses seriam infinitos. Seria como contar estrelas no céu. Um dia me dei conta de que cada dia bem vivido equivale a muitos outros somados. O futuro é uma página não escrita – ou talvez uma página que só é possível ler no momento devido. Agora o que tenho são uma deliciosa taça de vinho, fatias de presunto italiano, pão francês e muitos motivos para celebrar toda uma oportunidade sequer imaginada, mas sonhada, por isso estou aqui. Ainda busco muitas respostas para diversas dúvidas, mas acima de tudo busco experiências e olhares, cheiros e expressões. Você entendeu acima de tudo o que meu coração quis dizer: o hoje é lindo.” Texto enviado a amiga Claudia Hamra.

09.12.07

Chove, sem parar. Não me animo a fazer instalações.
Nem falei da que fiz em Sèvres. Não curti muito o resultado. Tem a ver com o fato de eu sentir que uma forma de trabalhar já deu e querer desenvolver outra. Preciso resolver isso. Mas tudo a seu tempo. E com esse mau tempo, trabalho menos.
Tenho uma lista de lugares que quero ir. Planilha. Só o tempo de recompor o corpo que tomou chuva. Tomar mais água.
Em 01.12, indo para Saint-Denis, escrevi:
“Otimismo. O quanto se desloca em tempo livre. O quanto deixamos para trás a cada momento sem nos darmos conta. Nossos fios de cabelo, que vão pelo ar, que descem por ralos, que grudam num abraço. Que cortamos e jogamos fora. São partes de nós, sabem de estórias e segredos, mas se vão. Nossa pele, nosso respiro, nossos poros. Lágrimas, pêlos, unhas. Sons, passos, toques. Partes invisíveis ou imperceptíveis de nós. Nossos nós. Que se desamarram para continuar no mundo ou voltar à terra de outra forma. Quanto dos lugares pelos quais passamos fica em nós? Quanto nos transformamos ao estarmos com um outro? Tempo, espaço, vento, pessoas. Os nossos eus que se apresentam aos poucos. Os eus que queremos ver, os que queremos ser. No fundo dos olhos, reflexo da alma. Coração. Células mortas. E nós, enquanto isso, vivos”.
A arte deve estar onde ela possa ser bem recebida?
Ou onde ela tenha algo a dizer?
Provocar. Consentir.


07.12.07

Vamos lá, recapitular alguns dias.
Sinto falta do meu primeiro caderno de anotações de viagem. Não do formato, mas do objeto em si que me foi meu maior parceiro em momentos incríveis. Receei diversas vezes perdê-lo, pois ele me continha. Contém. Em parte por isso escrevo menos. Mas mesmo com ele tinha dias de branco. Dias em que as dúvidas existenciais se fazem mais forte e me deixam sem certezas.
Quarta fui a Sèvres, numa escola de cerâmica parcialmente abandonada. Artistas ali foram e colocaram seus trabalhos direto na parede, à vontade, sem maiores luxos. Fui a convite do John Armstrong, canadense. Levei fotos, de última hora não quis colocar à mostra.
Fui eu mesma demais.
Em Sèvres teve ainda duas apresentações musicais. Um mais hard rock, toda força e intensidade do mundo sendo dada pelos músicos. Uma outra performance para encerrar: partituras iam sendo preenchidas com cola e notas musicais de plástico; um piano e um vibrafone para entoá-las, e após iam sendo colocadas numa base para serem quadros.
Me fez relembrar a idéia das minhas linhas serem partituras gigantes. Criar uma música conforme a colocação das flores.
Segunda andei pela região do Arco do Triunfo, mas no sentido oposto da Champs Elysées. Uma região linda, não lembro se Avenue Foch. Um longo caminho central com árvores diversas. Algumas ótimas para interagir.
Visitei Giacometti no Pompidou. Incrível observar o percurso do artista, ver todas as alterações do processo, do olhar. Um dos melhores trabalhos que já vi, intenso. Vi as fotos de Sabine Weiss, não a conhecia. Agora será lançado livro com 100 fotos em prol da liberdade de imprensa.
Daí viro a página e penso no meu fazer. Em mim. Vejo esse período aqui como um grande experimento, de vida e de arte. Os dois juntos são uma coisa só. Sou eu, através de tudo o que faço. Percebi meu amor pela fotografia, talvez por tê-la deixado um pouco de lado. Depois de ver tantos artistas múltiplos enquanto formas de expressão, só posso desejar o mesmo para mim.
Quando busco interagir num espaço ainda penso em que alguém virá me proibir. Ainda assim sigo em frente e então me vejo totalmente envolvida, o que há em volta silencia, some, fico com meus pensamentos.
Quando faço algo por algumas vezes, ainda que não sejam muitas, já quero experimentar outra. Foi assim com os sticks, as amarrações, os bouquets, as fitas nas árvores. Agora quero pôr alguns tecidos, de chita mesmo, no espaço.
Já disse, o TEMPO é a palavra mais escrita, a mais pensada. E sinto o escoamento. Aperta o coração. Hora dessas não estarei mais em Paris, estarei num lugar novo a ser descoberto. Assustador.
Pensei dia desses “porque chorei ao sair de São Paulo”? Porque sabia que me apaixonaria pelo que viria? Porque naquele momento me senti só com meu sonho. Um sonho imenso cheio de capítulos incríveis. Alguns só esbocei viver, pus de lado. Vivi quase tudo o que quis, já tenho memórias incríveis. Cada momento. Vêm às vezes para me fazer ter certeza da validade de tudo isso.
Meu ritmo, busquei respeitar. Me cobrei, ainda cobro, mas hoje por sentir o tal do escoamento, sou mais complacente comigo. Deixo a vida ser mais leve. Quero patinar, quero um créme brulée. QUERO. O que mesmo? Quero tudo seja uma coisa só. Quero me encontrar, aceitar meus desejos. Quero agradecer todas as graças. Sem dúvida, esse é o melhor momento da minha vida. Sou-me mesmo sem saber-me.
Sonhei a vida inteira com Paris, com outros lugares da Europa. Agora, andando pelo sonho, não sei se sonho. Não sei para onde vou ao dormir. Não sei se me desloco ou me afasto do lugar que por onde tanto tempo estive. Vou lembrando aos poucos dessa vida paralela que tive. Trens, parques, jardins, pessoas, ruas.
Os sonhos sempre se repetiram, talvez para se auto-afirmarem. Agora sei que eram aqui. Sigo sem saber se vou ou se fico, se vou e volto. Realizado um sonho outro precisa tomar seu posto, ser desejado. Viajar é possível. Quero que minha arte se espalhe além de mim. Isso pode ser feito a partir de São Paulo. De preferência perto do mar. Água salgada, água corrente.
Por falar em água, o Seine anda com outra tonalidade, amarronzada, com nível mais alto. Fui ao meu canto preferido, outras pedras estavam sendo engolidas.
Vamos vivendo. Eu com minhas lembranças, os lugares com minha ausência, os lugares à minha espera, eu e o que há por vir. Vou cuidar com carinho dos dias que ainda tenha dessa viagem chamada residência artística em Paris. Que possa ser o marco da minha vida. Que me impulsione a viver com sabedoria. O saber que vem do simples, que gera o alegre, que faz crescer, a si e ao que há em volta.


01.12.07

No momento as memórias mais fortes são as recentes. Quero afastar o passado. Não sei a Adriana que existiu ou a que quero ver viva daqui pra frente.
Mas hoje recordo os passos dados por Kassel, Amsterdam, Brugge. Ruas, lojas, vitrines. Caminho naturalmente por elas, ainda subo em seus ônibus, sento em cadeiras de restaurantes, sem saber bem o que fazer a seguir.
E ainda não sei. Tem sido a questão pertinente: o que quero a partir dessa experiência? O que venho recuperando de mim estando assim longe de tudo e de todos de antes?
Qual o santo para o qual de fato rezo?
Meu ponto: o de interrogação.
Quero exclamar.
Ainda falta mergulhar fundo, sigo na borda rasa. Vejo os peixes, quero estar entre eles.
Aquariá-los? Não, deixo-os soltos.
Lembro de um sonho, uma pequena fonte d’água em funcionamento tendo dentro belas rosas. Água fonte de vida? Rosas elo com o divino? A gente olha como quer. Mas sigo indo a lugares já idos em sonhos.
É mágico, mas ao mesmo tempo me deixa sem muito chão firme. Porque saber desses encontros me faz sentir que o que eu desejar, virá, mais cedo ou mais tarde.
Hoje me pergunto: qual o sonho do dia? Qual a entrada e o quê vem como principal? Desejo: me reconstruir.


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