terça-feira

novembro de 2007, quarto mês

30.11.07

Sobre uma foto, uma paisagem, recortar o nome da flor a partir de uma da espécie . rose, violete, jasmin.
Não sei se novembro foi o mês mais produtivo, talvez tenha sido o mês em que mais parada pude executar algumas idéias, mais maturadas. Desde que aqui cheguei busquei fazer trabalhos, as idéias foram surgindo e se transformando, mas talvez só há pouco tempo sinto haver mais consistência. Ontem na Beaux-arts com a Gabi observamos uma série de desenhos e pinturas, alguns aparentemente melhor resolvidos. Mas provavelmente só um olhar externo e distanciado pode fazer uma avaliação como essa. Quando somos nós a fazermos, algumas coisas fazem mais sentido, outras são puro exercício criativo. Mas tudo vai se combinando para algo que se saiba melhor como apresentar. Faltam palavras.
Principio do COPY and PASTE: recortescolagenscosturagens
Recortes de papel, de tecido, mas também do espaço, de um momento: fotografia. Recortes sensibilizados pela luz. Obvio. Às vezes é preciso rever os princípios, as idéias. Se eu crio uma paisagem através de recortes e sobreposições, posso através da foto fazer o mesmo, recortar e sobrepor, para criar uma paisagem.
Fórmula ou discurso?
Enxergamos paisagem às vezes num borrão de café. Numa mancha qualquer em uma superfície. É pictórico. Simulacro. Criação. Ilusão. Mesmo aquilo que se toca. As cores por vezes nos ajudam a enxergar entender uma paisagem. Paisagem de memória. Paisagem interna.
Porque mais paisagem que retrato?
Porque mais espaço que pessoas?
Porque mais silêncio do que fala?
A foto como suporte e a junção de uma costuragem: o que pode ter tiragem infinita pode ter o aspecto de único através dos recortes e colagens feitos a mão. Não dá para repetir. Mesmo que se pareça.


29.11.07

No momento em que comemoro mais um mês da minha chegada adentro o mês seguinte. Em breve, o quinto mês. O penúltimo. BEM ME QUER. MAL ME QUER. Séries. Idéia de positivonegativo. Que se queira – o desejo. YINYANG. Simnão. Idas e vindas.
Les jardins du Palais. Frase no livro de Calvino, Les Villes invisibles. Pequeno formato de fotos : gosto. Ontem vi expo de foto, parte do acervo do Pompidou. Não importa a dimensão, mas o assunto, a forma como conversam tamanho e assunto melhor dizendo. Claro que faz diferença. Mas o gigantismo não é tão fascinante mais para mim. Bom.
A foto enquanto objeto. Base para intervenções. Artificialidades.
Le simulacre, remplaçant désormais l’original, éfface le réel. Jean Baudrillard.
3 momentos – tríptico. Segurando um pouco de flores, a mão meio aberta, a mão toda aberta, as flores indo com o vento. Talvez presa por um fio e a mim. De tecido ou naturais.

27.11.07

Galliera. Palais Tokyo. MAM.
Exposições diversas, todas num mesmo período. Algo que sempre interessa, outras que não entendo. Third mind? Estranha. No entanto, a obra de Joe Brainard, colagem de aquarela de flores, próxima da idéia que tenho. Interessante. Diálogo.
Agora retorno a um pensamento, questão de artificialidade. Quando forço as cores, dando um artificial para a imagem, como fica isso sendo uma foto de flores naturais? Gera a dubiedade?
Tenho às vezes vontade de pôr no papel o que apenas sinto do que faço, sem tentar encontrar palavras explicativas, fechadas.
Claro que tenho o desejo de saber de forma teórica um pouco mais do que faço. Talvez intimamente eu já saiba. Mas talvez haja algo passando despercebido. No fim, sempre achei isso de todos os momentos da minha vida. Por isso o melhor pode ser sempre ir mergulhando de cabeça nas possibilidades reais.
Das fotos das árvores com fitas, fazer as costuragens depois, com as flores registradas aqui. Assim, me dedicar um pouco mais a esses “envolvimentos”.


26.11.07

Voltei a Vincennes, reencontrei a árvore com folhas amarelas e cobri seu tronco com fita amarela. Dessa vez não veio ninguém falar comigo, talvez por ser afastada de Paris as pessoas não interajam com arte pública. Ainda assim senti alguns olhares. Vi outras três árvores com as quais gostaria de interagir, mas por não ter material voltei para casa no intuito de retornar mais tarde, para dar continuidade. Deixei a amarela montada e três horas depois ela ainda estava lá. Segui para o Parc Floral, pois as três árvores que eu havia visto agora eram parte do cenário de jogadores de petanca.
Comparando com o sábado, o Parc Floral estava quase deserto ainda mais por se aproximar o horário de fechar os portões. Não tenho passado vontade. Escolho um lugar que gosto, mesmo sendo de grande visibilidade – ainda mais para seguranças, e me ponho a trabalhar. Talvez não haja muita degradação ou intervenções nos parques, talvez se conte com a boa vontade de turistas e moradores para manutenção dos lugares. O fato é que normalmente desenvolvo meus trabalhos sem interrupção. Escolhi uma grande árvore cujas folhas transitavam entre o laranja e o vermelho, envolvi um galho de pink. O cenário em si era lindo. As fotos do trabalho também.
Me pergunto: açõesinstalaçõesintervenções.
O que eu venho fazendo, já que passa a existir enquanto foto?
Recebi a visita da Ana Cecília Kesselring, mostrei meu trabalho. Ela observou a beleza dos cenários em que tenho feito minhas composições. Falou dos sticks serem muito definidos num primeiro plano, como figura e fundo. Talvez eu tenha buscado planos diferentes para ainda ter um terceiro ou quarto plano. De qualquer forma foi um momento interessante o de desenvolver as composições nos jardins com flores naturais e os sticks – talvez tenha sido de forma um tanto naif, mas foi compondo meu olhar para o que faço hoje com as fitas.
Hoje lembro de ter pensado que ao trabalhar com as fitas, me sinto abstraindo as formas para me resumir a uma cor. E a Ana fez um comentário: Mondrian começou suas abstrações ao geometrizar uma árvore. Vou pesquisar, não conheço essa história, mas imagino o processo.
Mais uma referência para o que faço.
Também observo a questão da dimensão. Num primeiro momento achei ter tantas flores, tanto material. Ao fazer meu trabalho eles meio que somem, são engolidos, são detalhes. Seria preciso pensar grande ou imensamente para ter a escala de Paris. Talvez ter um único propósito, um único projeto para fazer e vir com material à altura.
VER PROJETO DE INSTALAÇÕES PARA PARIS.
Seria ótimo envolver todas as árvores de um corredor como o Palais Royal, com várias cores. Vou voltar lá, contar quantas árvores tem, fazer um esquema, desenvolver um projeto.
Hoje pensei que não vim aqui apenas para desenvolver o projeto inicial ou mesmo ter um trabalho definido. Vim muito mais para pensar minha arte, ampliar-me.

25.11.07


Porque fazer arte, porque pensar arte? Quem precisa disso, eu ou o mundo? Ambos talvez? Arte é um produto, ou deve ser? Um questionamento, algo social? Se eu não fizer arte-produto, como é isso? Hoje é dia de dúvidas. Gostaria de me sentir fazendo um trabalho consistente. Gosto do que faço, mas não vejo muito além do fazer, da execução das idéias. Não o conheço de fato. Talvez isso me incomode, pois me dedico a algo que me pertence mas que não sei o lugar que ocupa.
Minha referência de mercado de arte é a pouca idéia do que sei em São Paulo. Ou salões. Enfim, algo sempre por um fio na minha concepção.
E há ainda toda uma parcela de vida pessoal, onde me sou. Onde me penso pessoa, mulher. Transito demais por diversos mundos, em minha opinião. Nem sei ser diferente, não quero. Só o questionamento de tudo isso que me faz por vezes perder o senso. Aí então me deixo meio muda entre centenas de palavras. Posso parar pra pensar no que quero só não quero com isso fechar-me em uma idéia definida. Preciso sentir-me aberta, flexível, leve para seguir adiante.



24.11.07

Saí sem muita expectativa, só no intuito de estar em um novo lugar. E me surpreendi. Passei por dentro do Château de Vincennes, que foi posto de lado após a construção de Versailles. Austero, mas de uma beleza interessante. Passei por dentro dele e fui em direção ao Parc Floral. O lugar parece de sonho – talvez eu já tenha sonhado com ele algum dia. É sem dúvida um dos lugares mais mágicos que já estive em Paris. A disposição das árvores, do lago, dos jardins. Todos os detalhes estão em harmonia. Diversos tons de verde, espécies de árvores, algumas altas, outras quase arredondadas.
Alguém fez uma espécie de arranjo vertical com folhas secas e pendurou em uma árvore. Como eu faço em tecido. Igual. Talvez eu traga um arranjo meu para essa árvore. E outros para o espaço. Nesse tive vontade de buscar autorização para trabalhar.
Busquei um caminho diferente ao sair do Parc Floral. Uma longa avenida sem trânsito, só pessoas, a pé ou com bicicleta. Era um trecho do Bois de Vincennes. Uma natureza mais livre, sem podas, crescendo pela vontade própria. Próximo já da entrada do metrô vi uma pequena árvore de folhas amarelas; desejei o tronco dela com fita amarela, que tenho. Volto lá amanhã para envolvê-la.
Tenho tido um sono inusual, com um certo cansaço. Talvez pelo frio, meu corpo e mente se adaptando.
Ontem acordei tendo em mente essa frase: tudo tem uma sombra. E o nada, também tem?

22.11.07

Ontem fiz algumas instalações e foram verdadeiras realizações por motivos simbólicos. Uma foto do jardin des Tuileries feita há dois anos foi base para a capa do meu projeto e outra do jardin du Palais Royal serviu para a demonstração do projeto.
Senti um certo receio em executar a montagem. Mas durante o processo ocorreu tudo de maneira tão perfeita... o melhor sempre é as pessoas virem perguntar do que se trata.
Nas Tuileries montei um jardim suspenso, usando duas árvores como se fossem colunas. Coloquei as flores e deixei lá, montada. Hoje já não estava, apenas duas flores sobreviveram no chão, esquecidas. Mais ao longe, pedacinhos dos fios brancos, de tamanhos que não eram antes. Prefiro imaginar que as flores foram reaproveitadas, que alguém levou para si. Eram parte do meu bouquet de flores múltiplas. Melhor assim, ir me desfazendo aos poucos, deixando fluir, trocar de mãos. Algumas dou por livre e espontânea vontade... uma artista canadense veio falar comigo, chegou a colocar uma flor, fez algumas fotos enquanto eu trabalhava. Foi especial.
Antes dessa instalação havia colocado as flores azuis em um galho numa área com bancos e uma só arvore. Fiz as fotos, deixei uma flor apenas. Hoje havia apenas um pedaço do fio branco. Isso é o que me fez pensar que alguém levou as flores consigo – o fato de ter sobrado resquícios.
Depois das Tuileries fui ao jardim du Palais Royal. Era como uma questão de honra fazer algo ali. É um jardim mais intimista embora não tão pequeno. Observei um segurança se afastar e dei inicio a coloração do tronco com fitas de cetim. Verde e azul claro. Usei o limite da extensão do meu braço para a altura e que fosse até acabar o rolo. Sempre as pessoas vindo falar, comentar. Dizer que tinha mesmo que ficar. Três seguranças jovens vieram falar comigo e pedir para que eu não deixasse sem autorização. Foram legais, me deixaram fazer fotos, me deram a meia hora que pedi. O fato é que eles surgiram quando eu já estava quase no fim. Executar essa versão foi para mim de um resultado ainda mais satisfatório, pois era apenas uma idéia. O outro das Tuileries se assemelhava muito ao do Salão Cultural. Mas executar a ambos em locais públicos de tanta visibilidade foi o que mais me agradou, me engrandeceu. Pela atitude, pelo fazer em si.
Não sei se falei das placas de vidro no tamanho A4 que comprei. Estou buscando fazer colagens com sticks para inserir na paisagem e fotografar. Fiz um circular com espaço descoberto no meio, para encaixar com as rosáceas das igrejas. Busquei fazer hoje, mas ainda é principio. Quero fincar na terra.
Hoje sai com a Gabriela Golin, fomos até as Tuileries ver se havia sobradosobrevivido algo da instalação. E me dei conta de que esse processo de fazer o trabalho é sozinho. Não me solto ou me volto inteiramente ao fazer estando com alguém. Fico pensando no que o outro precisa e desvio a atenção. Ainda que em alguns momentos eu gostasse de ter alguém junto para dar suporte, fazer foto, ainda prefiro estar sozinha. Sempre há alguém que se pode pedir para tirar uma foto e quanto a fazer, bom, é preciso se adaptar as possibilidades.
Sigo conversando com a Margareth para uma instalação no Villa Mais d’Ici, em 19 de janeiro de 2008. O trabalho precisará a ser feito no mesmo dia. Penso em um jardim suspenso, fios brancos e só chita.
Sei que embora seja mais fácil executar minhas colagens fotográficas no Brasil (e por isso não as estou fazendo aqui, principalmente por dinheiro) sei que aqui elas teriam uma chance maior de existirem enquanto arte a ser contemplada.
Por isso sigo me sentindo suspensa, ainda sem pouso certo. Desejando ter um lugar para estar onde as dúvidas sejam menores.


19.11.07

Algumas das melhores coisas que me acontecem nesta vida são espontâneas. Pessoas que se encontra por acaso, os presentes recebidos de surpresa, os descontos, os olhares, os sorrisos. A aproximação de um cachorro, um bom dia de um desconhecido, o vôo de um pássaro ou de muitos.
Me cerquei de flores enquanto elas aqui estavam. Me inspirei em suas cores e em sua disposição racional pelos jardins. Agora sinto ser minha vez de retribuir. E redistribuir. Sinto frio e isso me encolhe um pouco. Antes eu me sentia encolhida por não entender as pessoas daqui.
Os passos nós damos sempre segundo nossa própria vontade. Nossos amores também.
A Cité é sonho de dez anos, agora realizado.
Posso me dar esse presente de forma ainda mais surpreendente, basta expandir os desejos. Paris ou a Cité não são apenas essa residência, o desenvolvimento de um trabalho, de um projeto, de um pensamento artístico, é minha vida como um todo, nos talvez seis meses mais intensos que eu já tenha tido. Talvez mesmo por ter esse prazo de validade, por saber que as entregas devem ser feitas AGORA!
O prazer em avaliar tudo o que eu já fiz até hoje é imenso. Dei muitos e muitos passos, muitos sonhos dentro de um sonho. Ainda quero mais pois sei que aqui posso ter.
ADAPTAÇÕES. TRANSFORMAÇÕES. REALIZAÇÕES.
Quantas vezes fiquei com nó na garganta diante de uma emoção?
Quanto já consegui ir além do que sequer estimei haver em mim.
CONQUISTAS. ABRAÇOS. CONHECIMENTO. INTEIREZA.

18.11.07

Ontem fui a praça perto do Institut du Monde Arabe, a arenes de Lutèce e ao jardin des Plantes. Em todos fiz algumas intervenções.
No primeiro veio falar comigo uma mulher com duas crianças, dizendo que ali era perigoso para estar sozinha. Embora eu tenha prestado atenção, sabia que ali estavam duas árvores importantes para mim, como se fossem duas colunas. Enquanto eu finalizava a instalação e a desmontava, apareceu uma outra mulher, com um sorriso no rosto, para saber do que se tratava aquelas cores. Conversamos, ela achou ótima a proposta, deseja mesmo ser convidada para uma instalação posterior.
Nas arenas de Lutéce reparei na presença de seguranças, mas felizmente nenhum apareceu enquanto eu fiz as instalações e as fotos. Uma criança perguntou do que se tratava e ao ouvir a resposta disse: então é arte?
No jardin des Plantes um senhor me observou trabalhar. A bateria da câmera acabou e me pus a observar aquele espaço que há algumas semanas era só flores... agora era a vez de adormecer e se preparar para outra estação.
As árvores antes cheias de folhas agora são como esqueletos esculturas, lindas pra mim.
Durante esses dois dias de instalações a cidade embora fria apresentou um céu colorido, azul, para compor as fotos. Hoje acordou cinza e ainda mais fria, previsão semelhante para os próximos dias.
Assim sendo, terei de dar mais um passo para desenvolver meu projeto, aceitar essa mudança progressiva e ver no que dá. Vontade agora não falta.
Vontade: de convidar pessoas a participarem.
Contatar as pessoas que conheço e pedir que elas repassem o convite.
De fazer isso nas Tuileries.
Oferecer a Paris flores quando ela já não as tem.
Oferecer à São Paulo uma arte pública sensível, sensibilizadora.


16.11.07


Novos momentos das instalações. Levei algumas flores para passear, entre a Pont Marie e a Square Jean XXIII. Dispus sobre alguns lugares, árvores convidativas, algumass com formato escultórico ou desenho, gravura. Senti o frio nas mãos, sangrei em alguns lugares sem me lembrar de onde ter me arranhado. O frio fez com que eu me sentisse cansada. Assim, a cada dia terei apenas algumas horas para trabalhar, enquanto houver sol. À sombra é inviável.
Ontem vi Arcimboldo. O mais impressionante é imaginar alguém no século XVI tendo esse tipo de idéia em pintura de retratos, composição inusual. Algumas pinturas têm um esmero excelente, outras parecem obrigação. Sempre quis ver, agora está visto.
Fui também ao Museu da Idade Média. O espaço e resquícios de outras épocas são muito interessantes. Alguns objetos e sobretudo os resquícios de tecidos do século VIII. Mais pelo tempo de existência, o que me fez pensar justamente como algumas coisas perduram e outras se desfazem como bolha de sabão.
Na Maison Européene de La Photographie, boas mostras. De Rogério Reis, brasileiro com instalação que fala do microondas, forma de violência dos morros cariocas. Fotos do Harlem, em PB, com músicas ambiente – Martine. Larry Clark, que antecedeu Nan Goldin. Estudos de nus.
Qual o milagre que se deseja ver, que desejamos que aconteça? Que tipo de sobrenatural a olhos vistos? Algo além do que já temos em nosso dia-a-dia.
Um pouco de tormento momentâneo, dúvidas e inquietações. Dores, paixões, desejos.

13.11.07

Num primeiro momento o tempo parece infindável, suspenso no ar. Todas as novidades também transitam a sua volta buscando lugar para se disporem e permanecerem memória. Parece que em um passe de mágica todo esse processo se resolve e me vejo agora sem a necessidade de me maravilhar com tudo. Necessidade ou capacidade. Ainda encontro muita coisa nova aqui, admiro. Talvez apenas não haja espaço para o espanto. Talvez eu tenha me super povoado de incríveis sensações, e agora embora eu queira olhar a cidade com olhos de criança, êxtase, isso me falta. A luz do dia já não é mais a mesma. Dura menos tempo e a intensidade parece sempre dizer que ela irá se acabar. Isso me deixa meio taciturna. E ao mesmo tempo percebo as pessoas mais solícitas, mais sorridentes. Em alguns momentos penso na primavera no Brasil e a tenho junto a mim como um estímulo às minhas flores. Só que sinto frio, tento me adaptar a isso, achando que se estabilizará mas não, aumenta de forma progressiva. Me exijo um processo maior, talvez estar mais envolvida com o projeto inicial, mesmo sabendo que infinitas idéias surgiram estando aqui e estão aquém de qualquer teoria redigida em projeto. A prática dos meus olhos me surpreenderam nessa vivência. Como já fiz as duas grandes viagens que me dispus a fazer, fica assim uma sensação que os meses daqui pra frente terão um não sei o quê para me apresentar. Passei os três primeiros meses seguindo o vento, o sol, a luz. Agora o vento é cortante, o sol é raro, a luz é rebaixada. Talvez por isso não esteja me sentindo guiar. Os passos, eu terei de me forçar a dar.
Sou ativa, me comunico, aglutino. Lembro de momentos de pulso para decidir-me por algo no Brasil. Uma força de independência, de vamos: é preciso fazer. Isso deu uma sossegada aqui no inicio, os rios pareciam correr tranqüilos.
Agora tendo que entender esse vento, preciso da força de novo, chamo-a à razão. Estou aqui, não quero ainda ser teoria. Pelo menos por um bom tempo. Amo as palavras, me exponho com elas e as combino de forma a serem um pouco do que tenho de melhor. Uma paixão a de escrever.
Dia 11, domingo, houve festa em Aubervilliers- Quatre Chemins. Villa Mais d’Ici. Caipirinha, bonecos gigantes como os de Recife, som africano, tambores, dança, calor humano.
Ontem vi expo no d’Orsay, vernissage de Ferdinand Hodler (1853-1918). Artista que trabalhou muitos temas da paisagem e muitos retratos e a junção dos dois. De forma simbolista, as flores passeiam pelo quadro, sem terem raiz, sem estarem fincadas. Como as minhas colagens, elas não têm raizes, não estão plantadas, talvez nem haja chão para isso.
AS SOMBRAS NÃO TÊM DIREITO OU AVESSO.
PARIS.
Um dia andar pela rua te completa. Em outro um pão com Nutella. Um filme, uma música, um livro.
Ai vem a falta do corpo de alguém, nem precisa te aquecer. Precisa estar ao lado e te fazer lembrar as partes do corpo que se esqueceu que tem. Aquela parte que respira descompassada. Uma espera não completa. Um céu cinza também não.
Luzes acesas são um breve sinal de transformações. Do prévio que virá. Do telefone tocando. Das flores se abrindo.
Esse caderno sabe muito de mim. Traz de lembrança o dia em que o comprei, e que fui ao Ritz com Marcelo e Luiza. Bolinhos de arroz e mojitos dois dias antes de viajar. Ele sabe ainda do que diversas vezes não foi escrito. Mas que rememora por associações. Se torna simbólico preencher as linhas deste que me acompanhou no processo de uma nova jornada. Que ele guarde consigo todos esses dias. E bendiga o próximo guardador de palavras. Amém. Obrigada.


09.11.07

Assisti ontem a uma apresentação de teatro Nô. É um universo tão diverso do meu mas que ainda assim dialoga tanto. Faz com que sua beleza se mostre mesmo a olhos desacostumados da linguagem. Comunica de qualquer forma, porque a essência, o essencial é invisível aos olhos mas vemos com o coração.
Folhas amarelas molhadas pela chuva como um tapete pelas ruas. A água se esparramando ao lado do ônibus, uma dança na chuva, eu subindo no degrau do Hotel de Ville junto às águas.
Sequer comentei sobre a experiência que tive ao tentar descer na Bir Hakeim. Fui até Passy, vendo um trecho do Seine sem igual. Lindo. Voltei e desci no Dupleix. Ao andar percebi uma claridade onde havia uma igreja e uma praça. Decidi ir lá conhecer, mesmo que com isso eu viesse a me atrasar pro Nô. Ao entrar na igreja de Saint Léon, à minha direita havia uma vela, que era para Notre Dame de Lourdes... e ao lado havia um altar para a Imaculada Conceição! Uma linda imagem com rosas douradas aos pés. A impressão de que ela sorria. Ainda nessa igreja vi uma imagem de Santa Rita, que segurava na altura do coração um ramalhete de rosas, em formato de coração, e com outra mão oferecia uma rosa. Hoje, ao acordar, me veio uma percepção: é o feminino do religioso quem oferece as flores, é também em seus pés que as flores estão. Ainda pela manhã li a estória do índio Juan Diego à quem Guadalupe apareceu. Ela encheu o deserto de rosas e ele as colheu com seu manto. Ao entregar ao padre, a imagem da santa estava impressa no pano.
Assim tenho me construído.
A religiosidade agora faz parte de mim. E se antes eu não entendia o porquê das flores, agora parece que a conquista se faz com isso.
Desejo agora saber o porquê das flores com as nossas senhoras e santas. Santa Terezinha das Rosas também as oferta.
Me dei conta de que ofereço minhas flores ao céu, enquanto as deusas as ofertam a Terra.
Pouco me importa se o trabalho, enquanto arte, venha a ficar mais ou menos forte com isso. O que me importa agora é encontrar minha verdade.


08.11.07

Maison du Japon
Ouvindo uma palestra sobre Nô, a idéia das máscaras.Mas poderia ser coberturas para outras partes do corpo. Luvas, botas. Relicários.
A ROUPA DOS LÍRIOS.


06.11.07

Agora o que desejo é encontrar o fio motivador para realizar as instalações. Não segui meu projeto ao pé da letra. Muito do que me propus a fazer há um ano atrás deixou de ser coerente comigo estando aqui.
Da mesma forma que muito foi absorvido e anexado, muito precisou ser descartado ou apenas deixado de lado até um novo momento. Hoje por exemplo me sinto muito mais interessada em falar inglês do que francês. Há um ano isso não passaria pela cabeça nem como remota possibilidade. Até ter que falar com o Bob Gruen em fevereiro, não havia dito mais que algumas frases. Ter certeza dessas capacidades nos faz maior, nos expande e transforma.
Agradeço por todos os dias de sol nesse inverno parisiense. Venho aprendendo a agradecer pelos de chuva e céu nublado. Porque a beleza está contida em tudo.
Já estou dando passos no meu quarto mês. Ontem fui até a torre Eiffel e depois voltei a passos leves, conhecendo novos espaços da cidade. Foi como estar em uma nova cidade. Andei até a place de la Concorde e de lá peguei metrô. Vi filme com o Igor e com vinho branco. Tenho visto Os normais. Isso recupera minha capacidade de loucura.
Dei um pouco de pão às gaivotas, uma se transforma em dezenas... é lindo, por instantes se está rodeado de aves festejando essa oferta.


05.11.07

Estou aqui pertinho dela, a torre. Não da para esquecer que ela está aqui, assim como não sentir o frio de uma textura outra.
Ontem sai para andar e fiz fotos de uma intensidade que não percebia antes. Profundas. Inteiras. É como se mostrasse um novo momento, em que agradeço e me entrego.
Eu vi um vôo de pássaros brancos, numerosos, em círculo, subindo e descendo, tocando o Seine e o céu. Ali, da Pont Marie. Lindo.
A cidade vai se cobrindo de dourado e de muitas cores.
Os desenhos ao lado vieram da madrugada. Me parecem sólidos. Eu os vi diferentes, os meus próprios trabalhos, ao mostrar ao Sean Rafferty. Mas não vi através dos olhos dele, via através dos meus próprios, apenas com um novo ponto de vista. Talvez transformado como muito em mim e a minha volta.

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